terça-feira, 15 de dezembro de 2009

ONDE ESTÁ MEU PAI?


Onde estás, meu pai, que há tanto te procuro e não te encontro?, perguntou o filho, angustiado. Sentia-se muito só, desde que sua mãezinha partira para morar com os deuses nos Campos Elíseos. E agora, perdido e solitário na terra dos homens, não sabia o que fazer e onde procurar consolo e abrigo. Por que será que não ouvia resposta alguma? Pecisava tanto dele... E derramou uma lágrima silenciosa.
Num dado momento conseguiu sorrir. Lembrou-se do tempo em que moraram juntos. É bem verdade que fora um tempo pequeno demais. Mas fora bom. Disso, não tinha a menor dúvida. E, na sua imaginação de homem velho, viu-o em seu cavalo baio a galopar pelos campos da sua terra natal, livre como o vento que cortava a planície, cabeça erguida, roupa de couro, própria dos sertões onde nascera e morrera. E mais uma vez a saudade confrangeu-lhe o coração.
E pensou na palavra saudade. Dizem que é intraduzível, própria da língua portuguesa. O que sabia, mesmo, era que essa palavra tão cultuada pelos poetas, era uma palavra triste demais.
E voltou a pensar nele. Quando menino não pensara naquele desconhecido que o gerara. Hoje, quando os cabelos se cobriam de neve; quando a sua voz rouca, tal qual a daquele pai ausente, falhava; quando os músculos flácidos em nada lembravam o guerreiro poderoso que fora; quando o andar firme e a postura altiva tinham migrado para aquela figura curvada e alquebrada pela passagem silenciosa de tantas décadas, sentia a falta daquele desconhecido que nunca estivera presente na sua vida de tantas lutas, tantas guerras, tanto sofrimento... E derramou outra lágrima silenciosa. E pensou na própria morte. Sabia que não estava longe o dia em que partiria, provavelmente para o Hades, tanto eram os seus pecados, onde se imaginava eternamente despedaçado por Cérbero, o cão do Inferno.
E por lembrar da Grande Dama da Foice, aquela que corta o liame que prende todos à vida, pensou no Inominável. Não era ele o Grande Pai, também? E se era, por que o abandonara? E lembrou-se de Iehshua, que antes de dar seu último suspiro bradou: “Eli, Eli, lama sabactâni?”
Um dia, quando se preparava para dormir, seu quarto quase na penumbra, sentiu um forte odor de um homem e um cavalo suados. Achando aquilo muito estranho, acendeu as luzes. Foi quando o viu. Por pouco crível que pareça, era seu pai montado no seu velho cavalo baio. Sem dizer uma palavra sequer, fez um movimento com o rosto, indicando que o filho deveria montar a garupa do animal. E foi o que fez aquele menino-velho. Sem hesitar, cumpriu a ordem silenciosa, e numa espécie de milagre, o cavalo alçou voo, partindo em direção à lua que, prateada, brilhou um pouco mais intensamente e abriu um largo sorriso, como que feliz por ter seu filho de volta, pois ele, na verdade, era apenas um selenita perdido, que voltava para casa.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

UMA IDEIA MUITO BOA


Finalmente, eis que surge uma boa idéia – que não tem nada a ver com uma certa marca de cachaça, esclareça-se. O fantástico, é que essa boa idéia tenha surgido no deserto de neurônios do parlamento brasileiro, onde reina absoluto, D. Lula I, rei do Planalto Central, país à prova de entendimento lógico.
E que boa idéia é essa?, perguntarão meus seis leitores. A ideia é do senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Ele apresentou um projeto de lei propondo que todo político eleito (vereador, prefeito, deputado, etc.) seja obrigado a colocar os filhos na escola pública até 2014. Quando os políticos se virem obrigados a isso, a qualidade do ensino irá melhorar. E todos sabem das implicações decorrente do ensino público que temos no Brasil. É claro que, para que o projeto passe, será preciso uma enorme pressão da opinião pública.
Não tenho a menor dúvida de que, pela excelência da idéia e pela coragem do senador em submeter o projeto à votação de seus pares, que no geral e no fundo de seus corações não desejam a melhoria da educação brasileira, por acreditarem piamente que ela fere seus interesses próprios, na medida em que a manutenção de “currais eleitorais” atende melhor seus desejos, o projeto deverá ser reprovado. Mas, que ninguém tenha a menor dúvida de que o projeto é simplesmente sensacional, fantástico e absolutamente inovador. Se aprovado, o Brasil daria um passo gigantesco na direção do mais alto patamar da educação e cultura, onde só estão os países que fazem dela, a educação, seu objetivo maior. Todos sabemos que um simples real investido na melhoria da educação, diminui em muitos reais as despesas com saúde e segurança. Em seu Art. 1, o projeto de lei decreta que os agentes públicos eleitos para os Poderes Executivo e Legislativo federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal são obrigados a matricular seus filhos e demais dependentes em escolas públicas de educação básica. Ótimo. Maravilha.
Vou mais longe ainda, acredito que o ilustre senador deveria inserir em seu projeto ou, se isso não for possível, apresentar outro projeto de lei, estendendo a obrigatoriedade de que esses mesmos agentes públicos eleitos usem, assim como seus filhos e demais dependentes o transporte público brasileiro e quando acometidos de qualquer enfermidade sejam todos internados em hospitais da rede pública. Creio firmemente, que o nosso triste país daria um salto de qualidade de vida tão grande, que poderia, quem sabe, ser imitado por outros países, tal a pressão que a opinião pública mundial exerceria sobre seus respectivos governos. E assim, esclarecidos porque educados, não mais toleraríamos que endeusados deficientes culturais nos governassem, como infelizmente acontece desde sempre, salvo as honrosas exceções, que sempre as há. Acredito que país ideal, seria aquele onde os príncipes fossem filósofos e os filósofos, príncipes.
Porém, indo mais longe ainda, que tal se Vossa Excelência propusesse que, a partir de 1º de Janeiro de 2011, o salário dos parlamentares brasileiros fossem aumentados pelo Poder Judiciário? A prática de legisladores aumentarem no percentual que desejarem sua própria remuneração pode até ser legal, mas é imoral.
Sei que essas idéias são apenas quimeras, sonhos e ilusões. Mas sonhar não paga imposto. Ainda.

SOBRE FÉ E FANATISO


Fé, como se sabe, consiste em crer, não naquilo que parece verdadeiro, mas naquilo que parece falso a nosso entendimento. Somente pela fé é que asiáticos e africanos podem crer na viagem de Maomé (Muhamad) por todos os planetas nas encarnações do deus Fô, de Vishnu, de Xaca, de Brahma, de Samonocodom, etc... Eles submetem seu entendimento, tremem ao analisar os fatos, não querem ser jogados nas fogueiras e confessam: “Eu creio”. É claro que esse princípio, o da submissão, vale para os seguidores e praticantes de toda e qualquer religião, não esquecendo que política, num certo sentido, também é uma espécie de religião, na medida em que tem seus “deuses”, acólitos e seguidores. Não à toa, Friedrich Nietzche dizia que, “quando uma pessoa chega à conclusão de que precisa ser comandado, torna-se “crente”, caso em que, é possível imaginar que um homem absolutamente livre, possa ser tentado a dançar, até mesmo à beira de precipícios”.
Há fé nas coisas espantosas e há fé nas coisas contraditórias e impossíveis, afirma François-Marie Arouet, conhecido mundialmente pelo nome de Voltaire, filósofo francês do século XVII.
Os hindus acreditam que Vishnu se encarnou quinhentas vezes; isso é realmente algo espantoso. E dirão ele a seu bonzo: “Temos fé”. Eu, de minha parte, prefiro jogar no time de Baruch de Espinoza, que dizia não ser possível ter fé sobre os escombros da razão Se pelo menos Deus atendesse pelo nome de Lógica... Mas não atende. Do alto da Sua onipotência, quer o que os italianos chamavam schiavi, os romanos servis, os eslavos slavs e os portugueses escravos. E esse Deus Todo-Poderoso, segundo os crentes, quer que todos aqueles paridos de um ventre de mulher, se submetam sem razão e sem por quê? Por outro lado, creio, o que já significa ter fé, - pelo menos um tipo particular de fé - que Deus queira que sejamos virtuosos, não que sejamos ou acreditemos em absurdos.
O fanatismo, por sua vez, é para a superstição, o que o delírio é para a febre, o que a raiva é para a cólera. Aquele que tem êxtases, visões, que toma os sonhos por realidade, e suas imaginações como profecias, é um entusiasta, como diria Voltaire. Por sua vez, aquele que alimenta sua loucura com o assassinato é um fanático. Juan Diaz (teólogo evangélico calvinista espanhol, autor do livro “Suma da religião cristã”), estava absolutamente convencido que o papa era o próprio anticristo do Apocalipse e que tinha o signo da besta, ou seja, o número 666. Seu irmão, Bartolomeu Diaz, que partiu de Roma para assassinar santamente seu irmão – e efetivamente o matou por amor a Deus - era apenas um abominável fanático, movido tão-somente pela superstição, uma vez que toda e qualquer religião é apenas uma forma de superstição. Os assassinos do duque François de Guise (1520-1563, morto durante as guerras de religião), de Guilherme I, de Nassau (1533-1584, príncipe de Orange, rei dos Países Baixos), Henrique III (1551-15589, rei de França, que tentou reconciliar católicos e protestantes, por uma política de tolerância, foi apunhalado por Jean Chastelou ou Châtel, acusado de não defender os católicos, Henrique IV (1553-1610, rei de França, indefinido quanto à religião, ora sendo católico, ora sendo protestante, foi assassinado por François Ravailac, professor que depois se tornou frade, e que acreditava que salvaria a religião católica se matasse o rei, que se aliara a potências protestantes para mover guerra à Áustria e Espanha, que professavam a religião católica. Todos esses fanáticos eram apenas energúmenos, afetados pela doença da mesma raiva de Diaz.
Ao longo da história, o que não faltam são exemplos do fanatismo que oblitera a razão e leva pessoas à prática de males terríveis e tenebrosos, a começar pelo estreitamento da mente e da visão das coisas, que em tese, as religiões deveriam abrir. Talvez o mais detestável exemplo de fanatismo tenha ocorrido aquele dos burgueses de Paris, que assassinaram, degolaram, atiraram pelas janelas de edifícios e despedaçaram seres humanos na chamada “Noite de São Bartolomeu” apenas porque não iam à missa, dita santa.
Talvez os males provocados pela “Noite de São Bartolomeu” só tenha sido superado pelo assassinato do arquiduque Ferdinando, da Áustria, por um fanático ativista sérvio, que foi o estopim para a deflagração da I Guerra Mundial, que causou pelo menos 10 milhões de mortos. Posteriormente, o fanatismo nazista, provocou, além do genocídio de seis milhões de judeus, um conflito que envolveu 2/3 da humanidade e provocou, segundo os estudiosos, algo entre 40 e 80 milhões de mortos. Tudo isso sem falar nos milhares de homens e mulheres que durante a Idade Média foram condenados à fogueira, pela simples razão de não professarem a religião católica. E também sem levar em conta que muitos muçulmanos acreditam que agrada a Deus, matar infiéis, ou seja, todos aqueles que não professam o islamismo. Santa ignorância, se é que a ignorância e santa.
O pior é que, em pleno século XXI, o fanatismo continua mais ativo que nunca. Fanáticos petistas dizem que D. Lula I é uma espécie de “Sanctu Sanctorum” da política. Seus adversários, por sua vez, afirmam que ele tem na testa, marcado a ferro e fogo, o numero 666, ou seja a besta do Apocalipse brasileiro. Tolice. Nem uma coisa e nem outra. Ele é apenas um oportunista, esperto o suficiente para sair da condição de simples metalúrgico para a Presidência da República. De minha parte, é apenas um presidente possuidor de uma deficiência cultural raras vezes vista na história da deficiência mundial e por isso, incapaz de bem governar m país tão múltiplo quanto o Brasil. Mas, fazer o quê, se essa é a vontade da maioria deste povo, ele também, apenas um povo que sofre da maior deficiência educacional e cultural, e por isso deve ser perdoado, porque não sabe o que faz.
Se, pelo menos conhecêssemos um pouco de filosofia... Mas não conhecemos nada, absolutamente nada. Sabe-se que a filosofia é o remédio mais eficaz contra o fanatismo e os males provocados por ele, porque seu efeito é tornar a alma tranquila, e o fanatismo é incompatível com a tranquilidade.
O sorriso de Deus


Estava cansado. Vinha caminhando há muito, muito tempo. Caminhava como se nada mais houvesse na vida senão caminhar. Transformara-se no seu objetivo primeiro e único. Caminhava sempre pra frente vindo de não sei onde. Não sei para onde ia também. O andar, naturalmente, já não mais apresentava o vigor de outrora. Andava o andar trôpego dos velhos infelizes. Nada existe de pior ou mais desgraçado que a infelicidade. Cega-nos o olhar para os caminhos da luz. Retira-nos o olfato para o cheiro da flor e da mulher amada. Mulher também é uma questão de olfato. A sensibilidade também embota. Torna-se parcial. Só sente tristeza e uma vontade imensa de chorar todas as lágrimas do universo. É a autocomiseração, é a autopiedade, dizem alguns. Dizem, porque não sabem o que é caminhar séculos, como o judeu errante, à procura do rosto que irradiará a paz que tanto precisam os homens que caminham por lugares nunca dantes caminhados.
Mas ele, o caminhante, perdera-se. Não tinha mais referenciais. Nem sabia por que caminhava. Talvez achasse que tivesse nascido só para isso: caminhar.E nesse andar, nessa procura inconsciente de algo que nem ele mesmo sabia o que era, finalmente a encontrou. Era a sua outra metade, sem a qual a vida não fazia sentido, a metade cuja ausência fazia dele apenas meio homem, meio ser.
E pela primeira vez na vida sorriu. Um sorriso de paz, um sorriso de tranquilidade. Descobriu então porque caminhava tanto. Para a encontrar. E ao vê-la, reconheceu-a de imediato, porque ela sorriu para ele. E naquele sorriso, estava o que a humanidade procura desde os albores do tempo, mas poucos, muito poucos conseguem encontrar: o sorriso de Deus.


Uma eleição inusitada


A Fundação Rio-Zoo e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), do Rio de Janeiro, promoveram há alguns anos, uma eleição muito séria. Dois candidatos disputavam a vaga deixada pelo macaco Tião, falecido em dezembro de 97. Eram eles os chimpanzés Pipo e Paulinho. Fiquei surpreso, muito embora não saiba a razão. A esta altura do campeonato da minha vida, nada mais deveria surpreender-me. Mas ainda me surpreendo com o que jamais deveria surpreender-me.
O TRE fluminense fez tudo como manda o figurino da boa eleição. As urnas eletrônicas foram as mesmas usadas nas eleições municipais de 1996. Com direito a fotografia dos candidatos, voto em branco e nulo. Até mesmo a boca-de-urna foi permitida, ao contrário das eleições oficiais, quando é proibida, mas mesmo assim, feita às escâncaras.
O Brasil é realmente um país estranho. O Rio de Janeiro, cidade que produziu um Betinho, foi a mesma que mobilizou o TRE, que gastou na inutilidade, um punhado do dinheiro público para escolher, através do voto, qual macaco vivo substituiria o macaco morto. E ainda dizem que o Rio é a cidade mais politizada do país. Tenho lá minhas dúvidas. Uma cidade que elegeu um Juruna e seu indefectível gravador; elegeu duas vezes um Leonel Brizola com um Moreira Franco no meio, pode ser tudo, menos politizada. O prefeito factóide César Maia, que o diga.
Mas, não deveria mesmo tal eleição causar espanto. Já na década de 50, os sisudos paulistas elegeram o hipopótamo Cacareco, para a Câmara Municipal Paulista. Uma pena que não o deixaram tomar posse, o que não deixa de ser uma atitude politicamente incorreta. A decisão do povo deve ser respeitada até as últimas consequências.
O jogo que domina o país, particularmente o Rio, é o jogo do bicho. Naturalíssimo que assim seja. Afinal de contas, a ex-Cidade-Maravilhosa produz mais veados, peruas e piranhas por metro quadrado, que a Amazônia inteira. Isto, sem contar os burros da administração pública, as raposas da política, os tubarões do empresariado, as cavalgaduras da polícia militar, os bichos-demônios do banditismo desenfreado e as vacas de presépio da população a bom concordarem, bovinamente, é claro, com a vontade dos poderosos.
No início desta despretenciosa crônica, falava da minha surpresa com o TRE fluminense. Sou um tolo. Esqueci que a classe média brasileira só tem um neurônio. E ainda assim, que anda de muletas. Só isso, explicaria tal atitude, além de outras, como gastar-se uma fortuna em dólares, com a importação de batatas-fritas e papel higiênico perfumado.
Lamento informá-los, senhoras e senhores, brasileiras e brasileiros, minha gente, ou seja lá que diabo de tratamento prefiram, mas a solução é água e sabão. E muita.

Quando a Justiça bebe


Havia outrora, provavelmente muito além das brumas de Avalon, um país que atendia pelo pitoresco nome de Mamolândia. Era um país abençoado pelos deuses e bonito por natureza, conforme cantavam os menestréis e trovadores da época.
Seus vales verdejantes, suas florestas riquíssima, suas montanhas fartas de minérios, seus rios piscosos e seu povo pacífico, mostravam bem do agrado e de quanto os deuses olhavam com bons olhos essa terra onde o leite e o mel jorravam com abundância.
Mamolândia tinha dois ícones sagrados: um, a Justiça, que era representada por u’a mulher negra, com os olhos abertos e as mãos estendidas. Uma distribuía a justiça tão necessária na terra dos homens. A outra distribuía bênçãos ao seu povo querido.
O outro ícone adorado pelos felizes habitantes de Mamolândia, era a Grande Vaca Sagrada. Possuía saúde de vaca holandesa premiada em exposição. Tetas opulentas esguichavam leite tipo “A”, distribuído a cântaros aos “mamolandenses”. A Grande Vaca Sagrada, que dera origem ao interessante nome daquele país distante, tal qual a loba que alimentara Rômulo e Remo, alimentava seu povo com o leite sagrado, fazendo-o forte, varonil e justo.
Eis porém que um dia, a serpente - sempre ela -, cheia de inveja, travestida de Baco, visitou a Justiça. E tanto falou das virtudes do vinho, que esta, seduzida, bebeu. E em bebendo, embriagou-se. Embriagou-se de álcool, de arrogância, de vaidade, de empáfia, de poder por e dispor ao seu bel prazer.
E em mudando a Justiça, mudou também a Grande Vaca Sagrada, que passou a selecionar os que podiam ou não mamar-lhe as generosas tetas.
A consequência, previsível, foi que os fracos, foram ficando cada vez mais fracos e os fortes cada vez mais fortes.
Foram criadas então, as duas grandes castas que ainda subsistem naquela hoje indigente terra: os grandes mamadores e os outros. Estes atendem pelo nome de povo, que, como vingança, a última que lhe restava, passou a chamar o outrora ícone sagrado, pelo depreciativo nome de governo.
A Justiça ainda existe, também. Só que mudou de cor - tornou-se branca. Possivelmente de vergonha. Pobre Mamolândia, a que era feliz e não sabia.
Soube-se muito tempo depois da tragédia consumada que a serpente era também conhecida no seu mais íntimo círculo de amigos, pelo curioso nome de Política.
Estas são as trágicas consequências que ocorrem quando a Justiça bebe. Menos mal que Ahmadenejad é abstêmio, ou seja, não pode apontar o álcool como culpado por seus desatinos. Um certo genro do Tarso, ao que parece, sim.

O PANETONE


Midas, rei semi-lendário da antiga Frígia, era conhecido pela extrema riqueza. A ele atribui-se a lenda de que qualquer coisa que tocasse, viraria ouro, instantaneamente, tendo sido esta a sua perdição, pois não podia tocar nem alimentos e nem seres queridos.
Certos políticos têm, tal qual Midas, o poder, não de transformar o que tocam em ouro, mas sim a triste capacidade de conspurcar, poluir, corromper o que tocam.
Francisco de Assis, após ter tido uma visão de Cristo, converteu-se e passou a viver como eremita, em constante oração. Suas composições mais famosas são “O Cântico do Irmão Sol” e a belíssima peça conhecida como “A oração de São Francisco”. Nesta, um de seus trechos diz: “... pois é dando que se recebe”.
Foi o bastante. O ex-deputado Roberto Cardoso Alves, passou a usar a expressão para mostrar a ligação incestuosa que há gerações une o governo e maus empresários ou políticos dessa estirpe. Entrou para o dicionário das nossas frases infelizes. Aviltou, emporcalhou, sujou o que era uma bela passagem de uma das mais belas orações que se conhece.
Em nome da continuidade de seu projeto político e da vontade de garantir a própria reeleição a um terceiro mandato e de aprovar o que bem quer como bem deseja, o governo federal ressuscitou essa prática, se é que ela algum dia morreu, de verdade.
Mas não só ele. Se, nos tempos recentes a coisa vem desde o famoso escândalo do “Mensalão”, passando pelo “Mensalinho” do ex-governador de Minas Gerais Azeredo da Silveira até o atual governador de Brasília, José Roberto Arruda (DEM-DF), sem contar outros escândalos menos votados, como o dos Correios, o do “Dinheiro na Cueca”. Temos, agora, o escândalo do Panetone.
Como se sabe, o nome desse pão que se consome o ano inteiro, mas cujas vendas batem recordes em épocas natalinas, vem, segundo consta, do fato de que ainda na Idade Média, mm certo padeiro italiano de nome Antonio, conhecido apenas como Toni, inventou o bendito Panetone. E esse nome decorre do fato de que os italianos, ao descobrirem o novo produto, o chamaram de “Panis de Toni”, ou seja, pão do Toni. Com o passar do tempo, a expressão foi se modificando até se tornar o simples Panetone dos dias de hoje. E a cara de pau de alguns políticos é tão grande, que Arruda deu a singela desculpa ao ser filmado com a mão na massa, digo, do dinheiro ilícito, que aquela fortuna era destinada a comprar panetones e mais panetones, para distribuí-los aos pobres habitantes da periferia das cidades das Minas Gerais, quase tudo, muito provavelmente, na bela Belô.
Que alguém tenha o direito de ser cínico, tudo bem. Mas que leve esse cinismo ao extremo, é brincar com a cara do povo, é zombar de todos, como se ele, o povo, não tivesse um neurônio sequer. Se a Justiça existe, de verdade, que ele e seus companheiros de assalto tenham a mais severa punição. Menos que isso, é zombar, também, daqueles que pagam regularmente seus impostos.
Pelo andar da carruagem, tudo indica que ao invés de morrer, a prática do “é dando que se recebe” esteve apenas em curto período de hibernação após o período Collor. Não estava morta. Quando muito, estava em estado cataléptico para, tal qual uma Fênix maléfica, ressurgir das cinzas, aguardando a hora precisa de atacar novamente.
Gordas fatias dos partidos políticos, deixam de lado o pudor que nunca tiveram e negociam no sentido mais sujo que a palavra negociar pode ter, e se lançam, tal qual abutres, sobre cargos e verbas, para o exercício da política menor. Na prática, o que se vê é que empresários dão dinheiro e os políticos, ao receberem o voto, recebem, também as benesses do poder. É a osmose do imoral com o desonesto.
É verdade que é dando que se recebe. Mas é dando trabalho, justiça, exemplos de dignidade e competência profissional e vidas dedicadas ao bem comum. Receber votos é – ou deveria ser - mera consequência.