quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

AVE, CAESAR

"Ave Caesar, morituri te salutant.” Salve César, os que vão morrer te saúdam. Assim falavam os gladiadores ao Imperador de Roma, antes de entrarem em combate mortal.

Assim deveriam dizer todos os aposentados e funcionários públicos, ameaçados de extinção pela incompetência burocrática, pela má-fé cínica de nossos governantes, pelo descalabro administrativo e pelo assalto à mão desarmada, por parte daqueles que, ao invés de matá-los, deveriam resgatá-los de suas misérias e mazelas.
Ave Caesar, nós, os analfabetos dos mais diversos escalões da falta de instrução no país do não saber, te saudamos. Estamos na arena, prontos a morrer em nome da política do interesse próprio, que faz de nós, analfabetos, escravos da ignorância, miseráveis do espírito, habitantes do reino da escuridão da falta de conhecimento “te salutant”.
Ave Caesar, nós, os que vamos morrer sem jamais ter folheado uma revista, sem jamais ter lido um livro, sem jamais ter escrito uma carta para um amigo ou ser amado, sem jamais escrever o próprio nome, sem jamais poder traduzir esses sinais misteriosos que são as letras, que compõem nomes como D’us, saudade, Papai Noel, compaixão, te saudamos.
Ave Caesar, nós, os contribuintes à força, ladrões do nosso próprio dinheiro que depositamos na conta governamental, para que seja destinado à melhoria dos que não precisam; dos que querem o poder pelo poder; dos que flutuam no mar de reais roubados e depositados em contas alhures, te saudamos.
Ave Caesar, nós, os que vamos morrer assassinados, baleados, esfaqueados, estuprados, arrombados e violentados com um emudecido grito de socorro nos lábios, te saudamos.
Ave Caesar, os que vamos morrer sem remédios, sem tratamento, sem pronto socorro, sem hospitais, vítimas da incompetência, da falta de saneamento básico, da esperteza dos ratos e catitas que infestam os gabinetes oficiais, te saudamos.
Ave Caesar. Ave, maus parlamentares, maus empresários e maus governantes. Ave, corruptos e corruptores de qualquer natureza, nós, os brasileiros que vamos morrer, vos saudamos.






segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

ORAÇÃO AOS VELHOS

É claro que este pequeno texto tem tudo a ver com o grande Rui Barbosa, do qual estou a mil anos luz de distância. O que ocorre, é que sou pretensioso demais, por isso a tentativa de escrever, senão como ele, o que é, acredito, impossível, pelo menos tentar já me satisfaz. Daí porque sua Oração aos Moços ser a minha inspiração.
O que quero, é apenas dar um recado aos velhos que nos dirigem. Mais que isso, é uma súplica, não ne-cessariamente cearense, com o perdão do nosso poeta Catulo da Paixão, Cearense, ele também: Parem de envergonhar nossa juventude, tão carente de bons exemplos, tão necessitados de boas referências, tão perdidos ao contemplar esta selva de corrupção em que nos transformamos, na qual os velhos do meu país chafurdam por vontade e demérito próprios.
Não esqueçam vocês, que não estamos tão distantes uns dos outros, pois moramos debaixo do mesmo teto, porém, à beira do mesmo abismo, mas não professando o mesmo credo, a crença de que o poder pode tudo, de que ter e ser são a mesma coisa, de que o vil metal, ainda que nobilíssimo, pode tudo comprar, porque a dignidade do homem honesto não pode ser comprada, ainda que se lhe ofereçam as próprias minas do rei Salomão.
Não esqueçam que ainda aguardamos o milagre da vinda de um santo homem, cuja honestidade esteja acima e além da nossa imaginação para nos governar. Isso, sim, seria um milagre que deixaria os tempos do Velho Testamento pálidos de inveja, quando o próprio Altíssimo conversava e obrava milagres ao vivo e em cores com e para o seu povo.
Não esqueçam, como disse o grande Rui, que não é verdade, como corre o mundo, que "longe da vista, longe do coração", pois sabemos seus segredo, conhecemos suas manhas e seus ardis para ludibriar o povo e para, tal qual abutres, saquearem o Erário, cujos recursos deveriam ser usados apenas e tão somente para benefício do povo.
O coração da gente vê longe. Podemos vê-los, até mesmo quando estão ausentes. Se no fim do horizonte estivessem, ainda assim, nós o coração do Brasil, os veríamos como são e o que fazem. Por isso, não mintam, não neguem o que são, tenham a coragem de dizer que têm uma dívida enorme para com o Brasil e os brasileiros e que não têm como pagar essa dívida decorrente dos seus comportamentos, pra dizer o mínimo, inadequados.
Vocês, os fichas sujas, devem ser deletados da política nacional para sempre, porque já abusaram demasiadamente da nossa paciência, como bem poderia ter dito Cícero.
Infelizmente, fizeram vocês de suas vidas, vidas gastas no mal, tornaram-se como velas das quais se retirou a centelha divina. Antes de se tornarem o que são, essa luz banhava todo o espaço político que nos envolve. Hoje, são apenas velas apagadas que enchem de escuridão os céus do Brasil. A morte eleitoral os espreita. E se ela ocorrer, não há ressureição possível. Afinal de contas, o que pode haver em comum entre vocês e o maior de todos os homens, o homem chamado Jesus? A não ser que pudessem se arrepender verdadeiramente de seus pecados, porque se assim fosse, o Filho do Pai E-terno os perdoaria, porque perdoar é sua característica maior. E em assim sendo, nós, o povo, os perdoaríamos também.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

TUDO NA MESMA

Foi ao cemitério no horário em que não vai ninguém. Ajoelhou-se sobre o túmulo de um de seus antepassados e pensou nos que se foram antes dele. Alguns tinham ido antes mesmo que nascesse. Derramou uma lágrima solitária pelo pai que não conhecera. Sentia saudades daquele homem ausente que o gerara. Como seria ter um pai?, perguntou-se angustiado. Decidiu ir para casa e por um fim àquele rosário de saudades de pessoas que não conhecera. A tristeza, quando vem do fundo da alma da gente, é como uma grande onda que nos envolve por dentro e por fora, é um turbilhão de água que nos engole e devora a alma, o coração e a mente, não deixando espaço para mais nada, a não ser uma enorme vontade de ir para um lugar onde o sono seja eterno e não haja a necessidade de acordar para so-frer mais. Trabalhara e vivera tempo demasiado em meio ao que há de pior no mundo. O jornalismo não vive de fantasias ou do lado bom da vida. Tudo é muito cruel, muito desumano, violento demais. Cansara-se de mortos, feridos, tragédias, separações, sofrimento, dor e sangue. Principalmente disso: sangue. Era tanto sangue, que só conseguia ver o mundo em vermelho. Foi por isso que deci-diu adotar a cor amarela. O amarelo-pálido bem podia significar o fim disso tudo. Deu um sorriso triste e amargo. Se algo existisse depois da transposição do umbral da morte, encontraria os seus e nunca mais choraria de saudades. Caso não existisse, pelo menos não sentiria aquela opressão tão angustiante, tão dorida, que quase não o deixava respirar.

Teve o cuidado de fazer tudo direito. Primeiro, colocou a bacia com água ao seu lado. Depois, deitou-se, e com a navalha afiada com que tantas vezes fizera a própria barba, abriu o pulso esquerdo e o mergulhou na bacia. Nada esguichante. Afinal de contas, limpeza era fundamental. Escreveu antes o bilhete de despedida. Sua morte era o protesto final contra tanta violência estampada nos jornais de todo santo dia. Imaginou a redação em polvorosa. Seu fim bem podia significar a preservação de outros que tinham mais e melhor a fazer que ele. Restaria algo de bom naquele gesto que ninguém entenderia, exceto os amantes da morte. Deu azar. Naquele mesmo dia um avião caiu, um caminhão lotado de gente pobre virou, um deputado foi acusado de ser narcotraficante, os juros subiram, o dólar despencou e o presidente e o governador disseram que tudo estava sob controle. Não havia motivo para pânico. Sentiu-se adormecer e pensou nela. Pro-metera-lhe que seu último pensamento seria para ela. Se seus olhos pudessem registrar algo, a lente de um fotógrafo especial registraria uma bela e negra mulher, fazendo as vezes de menina dos olhos dele.
Não mereceu mais que um cantinho de página interna. Louvaram-lhe os méritos que não ti-nha e caiu no esquecimento geral. Enquanto isso, a vida continuou como sempre fora. Uma bomba explodiu em Israel, os americanos invadiram outro país, um idiota ao volante de possante carro importado matou três pessoas e a vida conti-nuou como sempre fora e sempre seria.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

NIVELANDO POR "BAICHO"

Uma corrente entre os profissionais do Direito, na qual se incluem professores, defende a tese de que expressões em latim devem ser abolidas da prática advocatícia. Talvez queiram, indo mais longe, que se esqueça que o arcabouço jurídico no qual se apóia o Direito Ocidental tem origem latina. Para eles, o ideal é facilitar as coisas de modo que o estudante de Direito estude menos e aprenda menos ainda.

Na mesma direção, caminham professores da última flor do Lácio, inculta e bela como diria o poeta. Pretendem que se escreva do modo como fala o vulgo, o populacho, a malta, a choldra, caso em que se poderia dizer que querem que se "fali comu o populaxo, a mauta, a xoldra.” Ou seja, querem ambas as correntes, o nivelamento por baixo. Isto talvez explique o sucesso do brega e dos Paulos Coelhos da vida.
Pensando bem, sou a favor. E para que as coisas ficassem bem mais simples, o primeiro passo seria abolir a expressão “educação superior”, já que a educação teria a mesma altitude do rés do chão. E que tal chamar o professor, dito superior, de tio? Ou seria til?
Mas, se é para nivelar por baixo, se é para facilitar, por que não eliminarmos os cursos de medicina avançada. Um enfermeiro qualquer poderia receitar remédios para doenças tradicionais como caxumba - ou seria cachumba? - dor na ponta da pá, falta de ar, unha encravada e furada de prego? Aliás, no Amapá, as parteiras tradicionais já tornam dispensáveis ginecologistas. Elas têm salvado milhões de vidas ao longo do tempo, muito embora algumas feneçam ao nascer, por falta de maior conhecimento por parte dessas mulheres que são a tábua de salvação das pobres grávidas de homens pobres. Pela vontade dos donos dos novos tempos do nivelamento por baixo, maternidades são perfeitamente dispensáveis, uma vez que as nossas competentes parteiras tradicionais podem resolver qualquer problema que ocorra com a mulher gestante. E que tal deixarmos de construir prédios imensos e voltarmos às choupanas, coisa que qualquer um pode erigir, sem a necessidade de forçar pobres e analfabetos estudantes a estudar mais?
Com sorte, poderíamos dispensar os livros e voltar ao estilo talibã de administrar. Afinal de contas, ler dá um trabalho insano. E depois, quem tem o hábito de ler é visto pelos analfabetos de todos os níveis educacionais como mero exibicionista.
Na área musical não precisamos simplificar mais nada. Quem tem nos Reginaldos Rossis da vida seus ícones e nas BBBs, seu ideal de beleza e cultura merece viver no país da simplificação geral.
A propósito, o avanço tem sido grande nesse processo de nivelamento por baixo. Coisas como cultura, ética, oratória, honestidade deixaram de ter importância. No campo político, então, avançamos muito. Por falar nisto, políticos de todos os naipes ideológicos ou mercadológicos deveriam deixar de brigar. O combate não é mais entre o mocinho e os bandidos. É apenas entre bandidos. E como todo bandido que se preza, já estão todos devidamente nivelados. Por baixo. Ou seria por baicho?