sábado, 10 de outubro de 2009

O ÓBVIO ULULANTE


Óbvio, é apenas o que está na cara. O problema é que, geralmente, não o vemos. Não que não o vejamos realmente. A questão é que padecemos da cegueira mais absoluta, principalmente quando o que está à nossa frente é o óbvio. Particularmente o óbvio ululante, como dizia o grande Nelson Rodrigues.
Uma das obviedades mais óbvias que outras, é que os pobres vivem dos ricos. Sem os ricos o que seria dos pobres? Quem é que poderia fazer uma caridade? Me dá um empreguinho aí! Seria impossível arranjar qualquer ajuda. Sem rico o mundo estaria incompleto, os pobres estariam perdidos. Mas, segundo Darcy Ribeiro, vieram uns barbados dizendo que não, e atrapalharam tudo. Tiraram aquela obviedade e puseram outra oposta no lugar. Aliás, uma obviedade subversiva.
Do ponto de vista de alguns brancos, seja lá o que isso for, porque para mim, só existe uma raça, a raça humana, a discriminação racial ainda é um fato e um fardo pesado demais que carregamos sobre costas cansadas de tanta tolice, tanta imbecilidade, como é o preconceito, seja racial, religioso, político ou de qualquer outro tipo ou matiz.
Ser negro no Brasil não é nada fácil. Basta olhar em volta. Eles fazem um esforço danado para ganhar a vida, mas não ascendem como os brancos, salvo as exceções, que sempre as há. Sua situação, no geral, é de uma inferioridade social e cultural muito visível, muito evidente, que é óbvia. Os negros foram inferiorizados. Foram e continuam sendo postos nessa posição de inferioridade pelas mais diferentes “razões históricas”. Razões que nada têm a ver com suas capacidades e aptidões inatas mas sim, tendo que ver com certos interesses muito concretos, dizia o grande e já citado Darcy Ribeiro, um dos maiores antropólogos e educadores deste país.
Uma obviedade difícil de admitir é a obviedade doída de que nós, brasileiros, somos um povo de segunda classe, um povo inferior, chinfrim, vagabundo. Basta olhar! Somos 100 anos mais velhos que os americanos do norte, e estamos com meio século de atraso com relação a eles. A colonização da América no Norte começou 100 anos depois da nossa, mas eles hoje estão muito adiante. Nós, como sempre, trotando na vida, enquanto eles andam a galope.
A Antropologia, por exemplo, por demasiado tempo não foi mais do que uma doutrina racista sobre a superioridade do homem branco, europeu e cristão. Foi, no meu pobre entender, um continuado esforço para comprovar e demonstrar que a mistura racial, a mestiçagem, produziria uma raça de pessoas inferiores, uma espécie de gente-mula, atrasada e incapaz de promover o progresso. Os antropólogos, coitados, por mais de um século estiveram muito preocupados com isso, e nós, brasileiros, comemos e bebemos essas tolices deles durante décadas, como a melhor ciência do mundo. O próprio Euclides da Cunha não podia dormir porque dizia que o Brasil ou progredia ou desaparecia, mas perguntava: como progredir, com este povo de segunda classe?
Com estas e outras obviedades convivemos alegre ou sofridamente por muito tempo. Nos últimos anos, porém, descobrimos meio assombrados, que aquela aparentemente óbvia inferioridade racial inata, climático-telúrica, asnal-lusitana e católico-barroca do brasileiro, não era verdadeira. Ainda temos um fraco desempenho em relação à aquela parte do mundo que se convencionou chamar de Primeiro-Mundo. Entretanto, não só avançamos muito, como temos mais, muito mais que eles. Temos a alegria de viver, somos, talvez, o único povo que consegue rir da própria desgraça, e isso não é fácil. Temos tantos lugares, paisagens e pessoas tão lindas, tanto externamente como internamente, que podem fazer com que até o Todo-Poderoso fique maravilhado.
Eu, de minha parte, agraciado que fui por YHVH, o impronunciável, tive a honra, não só de nascer amapaense, mas também brasileiro, obviamente sou gratíssimo a Ele e aos meus milhões de amigos.
Também é óbvio que a nossa classe política, salvo as exceções de sempre, ainda está por se fazer respeitar. Mas disso, falaremos em outra ocasião. Por enquanto, resta-nos esperar por um milagre para que, finalmente, tenhamos tanto em Brasília quanto nos mais distantes rincões do Brasil, políticos realmente compromissados com o bem estar do nosso povo.
Obviamente, é difícil que isso se torne realidade, mas, se eu que estive muito além das estrelas voltei, por que isso não poderia acontecer? Pode ser que alguns não acreditem, mas, milagres, acontecem sim. E obviamente, podemos até acreditar que um dia, não só seremos um país de primeira qualidade, como faremos esse milagre sem perder a doçura que nos é característica. Nós, o povo, evidentemente.