terça-feira, 11 de janeiro de 2011

ENTRE SOMBRAS E ESCURIDÕES

José Saramago é, talvez, o maior escritor de língua portuguesa do século XX. Seus livros são obras primas, que nos levam a refletir sobre o sentido da vida como poucos autores conseguem fazê-lo. Um deles tem o título de “Ensaio sobre a cegueira”. Um título sugestivo, sem dúvida, que nos leva, no mínimo, a olhar para dentro de nós mesmos, na tentativa de en-xergar algo, porque ao redor de nós, impera o domínio da escuridão. E o pior, é que pouquíssimos conseguem perceber, que vivemos sob o império da cegueira. Tanta coisa para ser vista e não vemos nada. Absolutamente nada.

Assim é, que não vemos filhos crescendo, correndo; gente aprendendo, escrevendo, vencendo. Talvez porque sejam tão poucos, não os vemos. Mas, não vemos também, o homem matando, roubando, estuprando, torturando, espancando. Não vemos nada. E porque não vemos nada, não vemos o nosso lado miserável, safado, ordinário, cruel. Não vemos a podridão que nos envolve. Tanto a moral quanto a física. Mas, o que é pior: não vemos girassóis, na sua eterna procura por luz e calor; não vemos o besouro iridiscente, na procura da fêmea que lhe mate a sede de amar; não vemos, nas manhãs invernais, o bordado artístico, que aracnídeos desenham entre dois arames esticados nos campos devastados do Brasil; não vemos a onda que, solitária, por não ter na imensidão do mar, uma onda gêmea, que a tire de tanto abandono, encalha nas areias desertas da praia da vida, e morre como nasceu: sozinha.
Cegos. A verdade, é que tal qual ratos, nascemos cegos. E optamos por continuar assim. Ratos e cegos.
E é por isso, que nas manhãs radiosas, não vemos o maior dos espetáculos: o nascer do Sol. Está aí todo dia. E não o vemos, envolvidos na pressa desesperada de quem não percebeu que a vida não é apenas uma questão de velocidade.
E assim, vamos passando entre sombras e escuridões. E é por isso, também, que os habitantes do reino das trevas, interessados na cegueira permanente de todos nós, continuam, a cada quatro anos, aplicando-nos o anti-colírio da ausência de cidadania plena. Mas, estranhar por quê? Se não vemos o amor, com o qual poderíamos inundar o mundo, e transformar cada momento da nossa existência em pérolas de luz, como havemos de ver os escorpiões da política, cujo interesse maior, é a permanente cegueira nacional?
Assim será, "per omnia secula seculorum". Eles, mesmo com visão parcial, deturpada, corrompida, continuarão vendo alguma coisa, e mandando nos destinos de todos nós. E isso só é possível, porque não descobrimos ainda, que em terra de cego, quem tem um olho não é rei. É caolho, mesmo.