sexta-feira, 14 de maio de 2010

BÍBLIA - UM OLHAR DIFERENTE

Poucos livros são tão agradáveis de se ler como a Bíblia¹. Dependendo do perfil do leitor deste livro magnífico, é possível que, eventualmente, cause frustração, raiva, decepção, irritação, porque apesar de todas as suas boas e inúmeras qualidades, é um livro de difícil, muito difícil leitura. Claro que, na contrapartida, causa prazer e provoca a reflexão necessária sobre as coisas da vida e da morte. Quanto à fé, essa é coisa que fica a critério do leitor, porque fé e razão, no mais das vezes são forças conflitantes, mas que podem, eventualmente, andar de mãos dadas.
         Mas, o que a Bíblia dá mesmo, de verdade e praticamente de graça, é instrução. Suas aulas abrangem todas as áreas do conhecimento humano como História, Geografia, Moral, Ética, Estética, Dialética, Direito, Biologia, Química, Física e Matemática. A Bíblia mostra, enfim, o justo e o injusto, o pio e o ímpio, o certo e o errado, a verdade e a mentira, a sabedoria, além de oferecer um prazer de ler como nenhum outro livro, ainda que de excelência máxima pode oferecer. Se bem procurarmos, acharemos o Grande Computador que fará das nossas máquinas eletrônicas mais avançadas, peças jurássicas pela primariedade.
         Tem razão quem afirma ser a Bíblia o maior best-seller de todos os tempos. Mas, perguntarão alguns, se assim é, por que não entra nunca na lista dos mais vendidos? Pela simples razão de que não é necessário. É hors concour.
         É claro que a maioria das pessoas lê a Bíblia por questões religiosas. A verdade, porém, é que seus textos deveriam ser apreciados, também, como simples literatura, pois em termos literários, a Bíblia contém parábolas, provérbios, poemas e longas narrativas. Encontra-se também, nesse livro único, lirismo, para mais adiante encontrarmos ensinamentos e metáforas.
         Para que se tenha uma ideia do que representa esse livro para o mundo, basta dizer que no último século, ou seja. no século XX, suas vendas ultrapassaram a casa dos 2 bilhões de unidades e encontra-se traduzido em 2.167 idiomas e dialetos, além de ser lido há mais de 3 mil anos.     
         Antes de ser impressa e se tornar um livro, é quase certo que a Bíblia já fosse conhecida através de narrativas que teriam sido transmitidas oralmente através de muitas gerações, para só então ser transcrita para pergaminhos. O Antigo Testamento ganhou versão em papel em vários lugares, como a Babilônia, onde viveram os hebreus no século IV a. C., e no Egito, onde foram escravos. Quanto ao Novo Testamento, foi escrito na antiga Palestina, então subjugada pelos romanos, na Síria, na Ásia Menor e na Grécia.
          Bíblia, em grego, significa “livros” e nas religiões cristãs é dividida em Antigo Testamento e Novo Testamento. No caso do povo judeu, que não reconhece o Novo Testamento, os estudiosos se referem a ela como Bíblia hebraica. É o TANACH, sigla formada por três letras: o “T” de Torá (Torah, ou seja, lei, ensinamento, em hebraico). A Torá também tem o significado de Pentateuco, em grego, ou seja, os cinco livros de Moisés (Moshe, Mochê), o “N” de Neviim (profetas) e o “Ch” de Chetubim (escritos). Na Bíblia hebraica pode-se identificar diversos estilos ou tradições. Na primeira, chamada “yavista”, porque se refere a um tempo em que Deus era chamado Yaveh ou Javé, ou seja, a tradição “J”. Posteriormente, Deus foi chamado pelo termo Elohim. É a tradição “E”. Depois veio a tradição “D”, de Deuteronômio e, finalmente, a tradição Sacerdotal, letra “P”, do inglês “Priestly”.
         Mas, o maior questionamento sobre o chamado Livro dos Livros é: quem escreveu a Bíblia? As respostas variam. Para os crentes, trata-se da palavra de Deus, mesmo que transcrita pela mão do homem. Já para os incréus, trata-se de um relato apócrifo, de autores desconhecidos. Por volta do século III, escreveu-se a “septuaginta”, porque escrita por setenta sábios, mais exatamente setenta e dois, uma tradução para a língua dos helenos, onde também se falava, além do grego, uma linguagem popular helenístíca chamada “koiné”. Essa tradução, adotada pelos católicos, é diferente daquela adotada pelos protestantes, que se atém à Bíblia hebraica, mais curta que a outra.   
         Com a adoção do cristianismo pelos romanos, surgiram traduções em latim, então língua oficial da Igreja.  A Vulgata, a mais conhecida delas, foi feita no século V por São Jerônimo (apenas Jerônimo para os não católicos). O nome vem da expressão “versio vulgata”, porque escrita na versão mais popular do latim.
         Mas, se bem prestarmos atenção, a Bíblia hebraica (que se atém apenas ao Velho Testamento) nos fala exatamente do quê? Depende da parte, ou livro. O Pentateuco, por exemplo, é o conjunto dos cinco primeiros livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. O que difere basicamente o povo judeu dos demais povos da época (e muitos dos atuais), é que eram monoteístas. Adoravam um Deus único que não podia ser representado em imagens (ver Lei Mosaica).
         Esse Deus hebraico é, sem dúvida, uma entidade masculina, oposta, portanto à Grande Deusa (Ishitar ou Astarté, símbolo de fertilidade, cultuada no Oriente Médio à época, em função do fato de que viviam numa sociedade patriarcal). Esse era um Deus masculino, mais severo, de desígnios insondáveis, mas onipresente, que interferia na realidade presente e podia, até mesmo, decidir a vitória ou a derrota numa batalha.
         Penso eu, que todos devíamos ler a Bíblia, independente do seu aspecto religioso, mas sim porque é um livro único, que nos fala de personagens fantásticos, a começar por esse Deus Todo Poderoso, que tem qualidades como a onipresença, onipotência e onisciência, ou ainda homens e mulheres da estatura de um Abraão, Moisés, José, Josué, Davi, Salomão, Rute, Judite e Ester, isto sem contar com estilos literários os mais diversos, e verdadeiras aulas de sabedoria.
         Mas, como tudo na vida tem um porém, a grande maioria das pessoas lê a Bíblia apenas do ponto de vista religioso, seja qual for sua crença, e pour cause, muitos de seus tesouros se perdem por causa da visão sectária, por consequência estreita, uma vez que as religiões, normalmente estreitam as mentes que deviam alargar ou libertar.
         Isso, entretanto, não deve impedir que, seja qual for a razão, nos privemos de ler este maravilhoso Livro dos Livros, que só tem a somar, aumentar, alargar o intelecto de quem o lê. E existe objetivo maior em um livro, seja ele qual for?
         É evidente que falar da Bíblia é algo extremamente difícil, porque envolve profundos conhecimentos de ordem religiosa, linguística, histórica, geográfica, moral, ética, artística, filosófica e, suponho, sobre tudo – ou quase - que exista e que deva e mereça ser estudado. E eu, que estou há um milhão de anos do conhecimento de um Sócrates, tudo o que sei, é que não sei absolutamente nada, diante da imensidão de coisas, temas e tudo o mais que há para se conhecer, tenho a pretensão, a ousadia e a ambição de tornar realidade um projeto que será o maior da minha vida e de qualquer outro ser humano, ainda que extremamente sábio, o que não é o meu caso. E que ideia é essa, perguntarão eventuais leitores: simplesmente ler a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse, analisando cada item, passagem, narração, feitos históricos, questões de fé e da razão (logos), ditos, provérbios, cartas, relatórios e até mesmo, tentar compreender Deus no conceito da sua imensidão infinita. Nesse caminhar, é necessário que eu aprenda noções mínimas de hebraico, aramaico, latim e grego, além de filosofia, geografia, hábitos e costumes dos tempos em que o homem chamado Jesus (Ieshua) andou sobre a terra e até mesmo sistemas de pesos e medidas da época e seus equivalentes hoje. É necessário, ainda, que especialistas em religiões como o judaísmo, a católica apostólica romana, brasileira e ortodoxas e até mesmo anglicanas e metodistas, além de diversas das profissões de fé protestantes colaborem com seus conhecimentos e entendimentos, eventualmente diferentes do que aqueles que proporei neste livro.
         É importante que o leitor compreenda que, o objetivo desta obra não é converter ninguém a seguir esta ou aquela fé ou até mesmo convencê-lo a não tê-la. O objetivo é tão somente transmitir os parcos conhecimentos que possa eu possuir, porque de nada vale o conhecimento enclausurado, preso, limitado à mente ou ao cérebro de quem o tem. Dividi-lo é preciso. E quanto mais todos os detentores de conhecimentos, sejam eles quem forem, os dividirem, mais o terão e, com certeza, contribuirão para fazer deste, um mundo melhor para todos os seus habitantes. Convém não esquecer que a caridade, exigência maior do Criador de tudo o que há, é simplesmente dividir o que se possui com os despossuídos, seja de alimentos, moradia, afeto, amor e conhecimento.

AS NOVAS SODOMA E GOMORRA

Conta-nos a Bíblia no Gênesis, capítulo 18, versículos 18 e 19, o seguinte: "Pois que Abraão deve tornar-se uma nação grande e poderosa, e todos os povos da terra serão benditos nele. Eu o escolhi para que ele ordene aos seus filhos e à sua casa depois dele, que guardem o caminho do Senhor, praticando a justiça e a retidão para que o Senhor cumpra em seu favor as promessas que lhe fez." E no versículo 20 do mesmo capítulo está escrito que: "É imenso o clamor que se eleva de Sodoma (Sodom, em hebraico), que assim como Gomorra, segundo a tradição, permaneciam nas vizinhanças do Mar Morto e perto do Jordão)" e o seu pecado é muito grande. Eu (o Senhor) vou descer para ver se as suas obras correspondem realmente ao clamor que chegou até mim; se assim não for, eu o saberei.
Nelas, assim como em Adama e Seboim, havia o predomínio da mais completa desordem, corrupção e iniquidade, tendo sido todas destruídas pelo "fogo dos céus". Castigadas com uma intensa chuva de enxofre e de fogo, só alguns de seus habitantes se salvaram: Ló, o sobrinho de Abraão e sua família. Sua mulher, apesar de ter sido avisada para não olhar para trás enquanto fugiam, desobedeceu a recomendação, transformando-se em uma estátua de sal. A cidade de Sodoma é conhecida nos textos proféticos de Ezequiel e do Apocalipse por sua violência contra a justiça.
Diz-nos a Bíblia, ainda, que Abraão, tentando salvar as cidades e seus habitantes, argumentou diante de Deus dizendo: "Fareis perecer o justo com o ímpio? Talvez haja cinquenta justos na cidade; fa-lo-eis perecer? Não perdoareis antes a cidade, em atenção aos cinquenta justos que nela se poderiam encontrar? Não, vós não poderíeis agir assim, matando o justo com o ímpio, e tratando o justo como o ímpio! Longe de vós tal pensamento! Não exerceria o juiz de toda a terra a justiça?" E o Senhor disse: "Se eu encontrar em Sodoma cinquenta justos, perdoarei toda a cidade em atenção a eles."
Mas Abraão, sabendo que contra os deuses toda a cautela é pouca, insistiu: "Não leveis a mal se ainda ouso falar ao meu Senhor, embora seja eu pó e cinza. Se porventura faltarem cinco aos cinquenta justos, fareis perecer toda a cidade por causa desses cinco? E Deus, enchendo-se de paciência que normalmente os deuses não têem, respondeu: "Não a destruirei se nela eu encontrar quarenta e cinco justos." E Abraão, o insistente, ousou falar: "Rogo-vos, Senhor, que não vos irriteis se insisto ainda! Talez só se encontrem trinta! E o Senhor, excepcionalmente paciente, disse: "Se eu encontrar trinta, não o farei." Abraão, entretanto, continuou: "Desculpai se ouso ainda falar ao meu Senhor: pode ser que só se encontrem vinte." - E Deus, já perdendo a paciência, respondeu: "Em atenção aos vinte, não a destruirei. E Abraão, ultrapassando todos os limites, ousou replicar: "Que o Senhor não se irrite se falo ainda uma última vez: "Que será se lá forem achados apenas dez? E Deus, porque conhece os homens mais que eles mesmos, disse: "Não a destruirei se por causa desses dez." O Senhor retirou-se, depois de ter falado a Abraão e este voltou para a sua casa.
Como se sabe, Sodoma e Gomorra foram destruídas, porque lá, Deus não encontrou nenhum justo, além de Ló (Lot, filho de Harã), sobrinho de Abraão, neto de Taré (Tera) e sua família.
Eu, que não sou nenhum Abraão, ouso perguntar ao Senhor dos Exércitos: "Destruireis a nova Sodoma chamada na língua tupiniquim de Brasília, capital do Brasil, também chamado pelo maléfico nome de Gomorra, por causa da perversão dos valores morais que um dia já tivemos? E se achares, sem o exagero de Abraão, apenas dez justos, ainda assim farás perecer toda uma nação que está se afogando no uso e abuso do poder, onde os escândalos não mais são anuais, mas diários; onde o assalto aos cofres púbicos e privados é praticado diuturnamente, onde a prostituição, as drogas, a violência institucionalizada ou não, é constante nos lares e nos bares, nas avenidas, nas ruas, nas esquinas, nas praças, nos becos e vielas deste imenso país, onde tudo parece ser absolutamente comum, a ponto de fazer Sodoma e Gomorra, as originais, parecerem lugares habitados por anjos de candura e inocência absolutas? E se faltarem dois justo, destruirás estas novas Sodoma e Gomorra por causa desses dois?
Até agora não ouvi nenhuma resposta dada pelo Todo-Poderoso. É bem verdade que, tal qual Abraão, sou apenas pó e cinza e não tenho merecimento nenhum para que Javeh se digne ao menos olhar para a minha minúscula pessoa, muito embora, igual aos árabes, acredite que uma formiga preta, sobre uma mesa de mármore negra, dentro da noite escura, Deus a veja, é possível que eu seja menor que um átomo dessa mesma formiga e por isso não ouça respostas ao meu clamor.
E tal qual um novo Cícero, ouso perguntar: "Quousque tandem abutere, Lula, patientia nostra" ("Até quando, Lula, abusarás da nossa paciência?") E a única resposta que ouço é o silêncio tumular, por parte daqueles que tinham a obrigação, não só de nos responder, mas acabar com o atual estado de falta de vergonha patogênica que exibimos no olhar, e na cabeça baixa à qual nos habituamos, cada vez que nos dirigimos ao patíbulo das urnas eleitorais.
E a pergunta que fica sem resposta é "Quousque tandem...?" "Quousque tandem...?" ...