domingo, 25 de outubro de 2009

SOBRE A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA


Muito embora costume dizer que, das coisas criadas pelo homem para torturar a si mesmo, para limitar-lhe o horizonte e encarcerar-se a si próprio, nada mais pavoroso, não necessariamente nessa ordem, do que governo, casamento e religião. Não que essas instituições não sejam necessárias. São sim, porque sem elas, haveria a desordem plena e o caos total. O problema, como sempre, são os excessos cometidos em nome de Deus, das leis e da preservação do casamento. Neste último caso, porque um dos cônjuges, ou geralmente ambos, pensam que são, cada um, dono do outro, como se fosse possível alguém ser dono de alguém. Apenas os idiotas da objetividade pensam assim, como diria o grande Nelson Rodrigues.
Quantos crimes monstruosos foram cometidos em nome de Deus, independentemente do nome dado a ele, seja Elohim, Javeh, Jeovah, Theo, Deo, YHWH, Alah, Oxalá ou qualquer outro que se queira ou adote. E isso em todas as religiões, conhecidas ou não. Isto porque, para a maioria das pessoas, ateu, como dizia Baruch de Espinoza, não é aquele que não acredita em Deus, e sim aquele que não acredita no nosso Deus.
De outro lado, quanta injustiça existe neste mundo, única e exclusivamente porque muitas delas acontecem somente para que a lei seja cumprida. E isso desde os tempos de Sócrates que, em podendo fugir, recusou-se e preferiu ingerir cicuta, porque acreditava que a lei existia apenas e tão somente para ser cumprida.
Por isso, não causa estranheza o comportamento do senhor Iaci Pelais dos Reis que, em professando religião evangélica e, segundo a Promotora de Justiça Clara Picanço Banha, proibiu, durante o período que antecedeu o Círio de Nossa Senhora de Macapá, que a imagem da santa adentrasse o recinto do prédio onde funciona o Ministério Público do Estado do Amapá, o que é uma antiga tradição do povo católico amapaense. Caso o impedimento ocorresse com toda e qualquer manifestação religiosa, seria possível entender o comportamento do ilustre chefe daquele importante órgão, que existe, prioritariamente, para a defesa do cidadão. A partir, no entanto, do momento em que permite manifestação de sua igreja e proíbe a dos outros, comete flagrante desrespeito às normas constitucionais que asseguram a todos os brasileiros, a livre expressão de pensamento, inclusive o pensamento religioso. Por causa do fato, a promotora de justiça Clara Banha impetrou representação contra o referido senhor Iaci Reis, por prática de discriminação religiosa. O fato é grave. O chefe maior do parquet estadual não pode e não deve adotar tal posicionamento. Se, por uma lado, é livre para adotar o pensamento religioso que acha melhor para si, é também obrigado por lei, a respeitar o pensamento religioso, político, filosófico, ideológico, ou de qualquer outro tipo por ventura existente de quem quer que seja. Convém não esquecer o pensamento, salvo melhor juízo, de Michel de Montaigne que dizia: “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito que tens de dizê-las.”