terça-feira, 30 de março de 2010

VIVER NÃO É PRECISO

O rapaz acordou espantado. Olhou em volta e não reconheceu o lugar, muito em-bora tudo o que o rodeava não lhe parecesse estranho. Tentou levantar. Sentiu dificuldades. O corpo parecia-lhe mais cansado que o usual. Com muito esforço saiu da cama e dirigiu-se, levemente encurvado, em direção ao banheiro. Um banho e tudo ficará melhor, pensou. Foi quando se olhou no espelho e se assustou. Não! Pensou estarrecido, aquilo não podia ser verdade! Devo estar sonhando, disse a si mesmo. Melhor dizendo, devo estar tendo algum pesadelo. Tranquilizou-se com a ideia. Daqui a pouco acordaria e tudo seria apenas uma lembrança ruim, consolou-se. Mas, notou que o sonho - ou pesadelo - parecia-lhe real demais para não ser real. Olhou-se novamente no espelho. Muito embora ele continuasse sendo ele, o aspecto era de um homem velho. Velho e terrivelmente cansado. Cansado de viver, cansado de tantos sonhos perdidos, tantas falsas ilusões, tantas quimeras que ficaram na estrada da sua vida já tão gasta, tão rota, tão inútil. Não lembrava bem se ainda tinha filhos. Mulher, com certeza, não tinha mais. Tinha consciência que mulheres não gostam de homens tão velhos, tão desgastados na luta inútil da sobrevivência.
A clareza do que ocorrera começou a tomar conta de si. Teve vontade de chorar. Seria tão mais fácil não acordar mais. Acreditara durante tanto tempo que o sono é a morte na certeza do acordar, que até desejava o contrário. Quando o grande cansaço se apossa do corpo, da mente e da alma, sabe-se que é tempo de partir. Que bom seria, pensou, se os homens fizessem como os velhos elefantes africanos, que sabem quando a morte está próxima. Deixam o bando e partem sozinhos, em direção ao jamais encontrado cemitério perdido dos elefantes, considerado o Eldorado dos caçadores e negociantes das valiosas presas de marfim dos velhos elefantes.
Mas os homens não têm a dignidade dos ve-lhos elefantes. Por isso tentam viver, até mesmo quando viver não é mais preciso. Tanta coisa é preciso. Viajar é preciso, cantar é preciso, nave-gar é preciso, voar é preciso, sonhar é preciso. Até mesmo votar é preciso. Mas, viver, às vezes, não é preciso. Os que se apegam à vida, quando viver não é preciso, são os homens que envelheceram inutilmente.
Velho! O que deveria ser uma honra e um prêmio passa a ser uma vergonha, uma carga pesada, uma culpa não merecida, um arrastar de pés sobre sandálias muito gastas, elas também, num certo sentido, culpadas de terem ultrapassado o tempo permitido às sandálias existir.
E um dia, o homem velho que acordou pensando ser novo, ao tomar consciência real de que o tempo passou e não voltará jamais, desaba para dentro de si mesmo, como um buraco negro psicológico, até desabar para o buraco negro da sepultura que, faminta, o chama de boca escancarada, sabendo que a sua fome de velhos homens velhos jamais será saciada.

A LEI, ORA A LEI ...

Toda e qualquer lei só tem uma finalidade: ser cumprida. Não pode e não deve haver, quando o assunto é lei, nenhum tipo de tergiversação, de deixa pra depois, de vamos ver como é que fica ou vamos esperar pra ver se essa lei pega. Ou não pega. Lei existe pra ser cumprida, e nada mais.
Nesse aspecto, o Brasil talvez seja o único país sobre a face da Terra, onde há o péssimo costume de esperar pra ver se a lei pega ou não pega. E isso não é de agora. É desde sempre. Mas, fazer o quê, se o próprio presidente da República não leva a sério o estrito cumprimento da lei. Debocha dela, como no recente caso em que, multado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por fazer campanha política em favor da senhora Dilma Rousseff, candidata que ele, pessoalmente, decidiu empurrar goela abaixo do eleitorado, sem maiores escrúpulos com relação à ética, ao respeito ao cargo que exerce e, principalmente, com relação à lei, que, pelo menos em tese, existe para todos, sem exceção, e não apenas, como é costume no Brasil, para os excluídos como os pretos, pobres e putas, como dizia o saudoso Ulisses Guimarães. Aliás, na condição de mandatário supremo do país, cabe a ele, antes de mais ninguém, o fiel e absoluto respeito, tanto à lei como à dignidade do cargo que ocupa, o qual, diga-se, faz questão de não cumprir e/ou respeitar, como se fosse ele um semi deus, ou melhor, estivesse acima do próprio Adonai. Uma anedota conta que um desses ibopes da vida teria publicado resultado de pesquisa a respeito da popularidade do melhor amigo do poltrão chamado Hugo Chávez, que ele, el señor presidente Lula, estaria com a aprovação de 110% dos brasileiros, Jesus aparecia num distante segundo lugar, com apenas 80% e o próprio Deus, num longínquo terceiro lugar, com apenas 40% do eleitorado.
Triste situação a nossa. Sócrates, o mais sábio dos homens, condenado à morte, mesmo sendo inocente, optou por morrer, mesmo tendo a condição de fugir, por que dizia que a lei precisava ser cumprida, independentemente do fato de ser justa ou não.
Moisés, o grande legislador hebreu nos deu o Decálogo, também chamado de Os Dez Mandamentos. Mandamentos esses que fazemos absoluta questão de não cumprir. Enquanto isso, se o poder maior no Brasil não a cumpre, como esperar que ladrões de galinha façam o mesmo?
Não à toa, Getúlio Vargas, ao tempo em que mandava e desmandava no Brasil, quando advertido que não poderia chancelar uma determinada lei chamada “Lei Terezoca”, feita exclusivamente para atender interesse que diziam respeito a sua filha Tereza Vargas, deu de ombros, fez um muxôxo e disse: “A lei, ora a lei...”. Assim é o Brasil.