segunda-feira, 27 de setembro de 2010

FÉ E POLÍTICA


Entre as muitas coisas estranhas que podem o imaginário da humanidade, talvez nenhuma seja mais estranha que a fé. Tão estranha que fé e lógica podem tudo: menos andar juntas
A fé, por definição, é a crença, a confiança inabalável em outra pessoa, ente ou fenômeno. É também a primeira virtude teologal, é a adesão ou a ausência pessoal a D’us, seus desígnios e manifestações. É a firmeza na execução de uma promessa ou de compromisso.
Quando se mistura D’us, fé e política, o resultado é mais estranho, porque a fé, quando praticada em países excepcionais na sua formação racial como o Brasil, o resultado se torna incompreensível para os pais das religiões e deuses que cultuamos.
Assim é, que o sempre aprazível de ser lido, Roberto Campos, odiado pela esquerda, provavelmente pela humanidade do seu cérebro e pela clareza das suas ideias, diz em um de seus ensaios que, a “religiosidade brasileira é peculiar e funciona em fogo brando.”
Temos fé, no caso, fé católica, mais no sentido universal da palavra, que no sentido da religião cristã, o que nos faz acreditar também em santos, orixás e exus. Nossa ideia de pecado não é severa. E mesmo com toda a fé, escolhemos dos Dez Mandamentos, só os que nos interessam cumprir. O sexto e nono, evidentemente, nem nos passa pela cabeça cumpri-los. Melhor faríamos se abandonássemos a Tábua da Lei que assim, simplificada, ficaria reduzida a apenas oito mandamentos.
Nossa fé faz de D’us um bom sujeito. Alguém quase da família. A quem se toma um dinheiro emprestado, jurando por todos os juros que vai pagar - e com todos os juros. Claro que a nossa honestidade, nessa área, como bem o diz Campos, “é honestidade de jogador”.
A fé à brasileira ensina que D`us é um pai tolerante, muito ocupado em administrar o Universo, mas a quem pode se recorrer num aperto. E que há de nos perdoar sempre. A esse respeito, o poeta alemão Heine, talvez por francófilo, apreendeu esse sentido mais latino que germânico, ao dizer: “Deus me perdoará. É o seu ofício”.
A classe média é um primor. Jura lealdade ao papa, que é (quase) infalível. Mas não dispensa um bom terreiro, por precaução. Não dispensa, em alguns casos, até mesmo pitadas do misticismo oriental. Tudo é válido, quando se trata de sitiar o Céu.
Enquanto a fé católica é recheada de opulência e ostentação litúrgica, as seitas protestantes fizeram da rotinização do carisma o seu ganha pão, ou no caso de algumas delas, o seu ganha milhões... de dólares. E isso pela simples razão de que são mais práticas. Num certo sentido, lembram a umbanda, que permite um contato direto com os deuses da chuva. O pastor é um homem comum, que trata dos problemas mais imediatos de uma população riquíssima... em problemas. O resultado, é uma coleção de fiéis que aumenta dia a dia , juntamente com os saldos de suas contas bancárias. Mas, ao funcionário do sobrenatural, aplica-se o conselho de Max Weber: “aqueles que buscam a salvação das almas, a sua e a do próximo, não devem buscá-la nas avenidas da política”. Não dá certo. É mais fácil acreditar que um camelo passe pelo buraco de uma agulha, que água se misture ao óleo, e que políticos existam, sem falar a língua bifurcada da serpente.