quarta-feira, 7 de julho de 2010

ONDE ESTÁ MEU PAI?

Onde estás, meu pai, que há tanto te procuro e não te encontro?, perguntou o filho, angustiado. Sentia-se muito só, desde que sua mãezinha partira para morar com os deuses nos Campos Elíseos. E agora, perdido e solitário na terra dos homens, não sabia o que fazer e onde procurar consolo e abrigo. Por que será que não ouvia resposta alguma? Precisava tanto dele... E derramou uma lágrima silenciosa.
   Num dado momento conseguiu sorrir. Lembrou-se do tempo em que moraram juntos. É bem verdade que fora um tempo pequeno demais. Mas fora bom. Disso, não tinha a menor dúvida. E, na sua imaginação de homem velho, viu-o em seu cavalo baio a galopar pelos campos da sua terra natal, livre como o vento que cortava a planície, cabeça erguida, roupa de couro, própria dos sertões onde nascera e morrera. E mais uma vez a saudade confrangeu-lhe o coração.
   E pensou na palavra saudade. Dizem que é intraduzível, própria da língua portuguesa. O que sabia, mesmo, era que essa palavra tão cultuada pelos poetas, era uma palavra triste demais.
   E voltou a pensar nele. Quando menino não pensara naquele desconhecido que o gerara. Hoje, quando os cabelos se cobriam de neve; quando a sua voz rouca, tal qual a daquele pai ausente, falhava; quando os músculos flácidos em nada lembravam o guerreiro poderoso que fora; quando o andar firme e a postura altiva tinham migrado para aquela figura curvada e alquebrada pela passagem silenciosa de tantas décadas, sentia a falta daquele desconhecido que nunca estivera presente na sua vida de tantas lutas, tantas guerras, tanto sofrimento... E derramou outra lágrima silenciosa. E pensou na própria morte. Sabia que não estava longe o dia em que partiria, provavelmente para o Hades, tanto eram os seus pecados, onde se imaginava eternamente despedaçado por Cérbero, o cão do Inferno.
   E por lembrar da Grande Dama da Foice, aquela que corta o liame que prende todos à vida, pensou no Inominável. Não era ele o Grande Pai? E se era, por que o abandonara?  E lembrou-se de Iehshuah, que antes de dar seu último suspiro bradou: "Eli, Eli, lamá sabactâni?"
   Um dia, quando se preparava para dormir, seu quarto quase na penumbra, sentiu o forte odor de um homem e um cavalo suados. Achando aquilo muito estranho, acendeu as luzes. Foi quando o viu. Por pouco crível que pareça, era seu pai montado no seu velho cavalo baio. Sem dizer uma palavra sequer, fez um movimento com o rosto, indicando que o filho deveria montar a garupa do animal. E foi o que fez aquele menino-velho. Sem hesitar, cumpriu a ordem silenciosa, e numa espécie de milagre, o cavalo alçou voo, partindo em direção à lua que, prateada, brilhou um pouco mais intensamente e abriu um largo sorriso, como que feliz por ter seu filho de volta, pois ele, na verdade, era apenas um selenita perdido, que voltava para casa.