quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O DESENCANTO DOS SABIÁS

As coisas acontecem quando menos se espera e nos lugares mais incomuns. O problema é que pouco ou nada percebemos o que realmente ocorre à nossa volta, exceção que abrimos com prazer quase mórbido para as coisas ruins e negativas da vida. É quase inevitável que nos aproximemos para ver de perto, em meio a tantos outros, o cadáver estirado no meio da rua, massacrado por um carro dirigido por um assassino que não será punido nunca. O sangue derramado no asfalto negro nos fascina. É quase como se nos sentíssimos aliviados porque o morto é outro e não nós, esquecidos no nosso egoismo que um dia será a nossa vez. Vivemos absolutamente despreparados para o fato de que um dia qualquer será o nosso último dia de vida. E quando o momento chegar, diremos, arfantes e angustiados, tal qual Goethe: “Mais luz, mais luz”.
A beleza, essa atinge a poucos de nós. Mas quando somos abençoados e bafejados por ela, é como se um sol suave nos atingisse e nos iluminasse o lado negro da nossa alma sofrida, e como se todas as cores celestiais nos invadissem a visão e nos transportasse para a ante sala do Paraíso. E quando o som mavioso do cantar de um pássaro nos invade os ouvidos, todas as células que nos compõem, como que param e quedam-se mudas, a ouvir aquele som que vem do trinar de um passarinho que foi criado apenas para aquele momento de beleza em forma de som. Como estaria a mente de Chopin quando compôs Noturno? Como estava o pianista que a interpretou em Mi Bemol Maior, ou a Sonata, dita ao Luar? E que dizer de Wagner quando compôs o Crepúsculo dos Deuses ou o Ouro do Reno? A beleza nos envolve a todos em todos os momentos. É pena que passemos por ela como os patos passam pelos plácidos lagos nos parques das grandes cidades, sem se permitirem molhar-se, encharcar-se pelo líquido que é fonte de toda a vida que há.
Parei para refletir sobre essas coisas, dia desses quando, saindo do Tribunal de Justiça da minha cidade, atravessei a rua em direção ao Palácio governamental. De repente, e eis que não mais de repente como diria o cronista da página social de um jornal qualquer, sou atingido pelo cantar de um sabiá. Num primeiro momento, acreditei estar ouvindo o sabiá da minha imaginação de poeta louco. Mas não, não era imaginação, era real. De repente, o pássaro calou-se. E eu, filho das florestas e caboclo nascido às margens de um rio que deságua no rei dos rios, assobiei imitando o seu cantar. E ele, o sabiá, respondeu-me e por um breve momento conversamos na linguagem dos sabiás.
Ele me falou da alegria do nascer do Sol e da tristeza de morar numa cidade onde a bulha citadina não permitia que as pessoas o ouvissem. Após isso, bateu asas e refugiou-se numa palmeira existente na entrada do Palácio governamental para dormir o sono dos justos, à espera de mais um dia pleno de sol e beleza. E eu fiquei ali parado, enquanto autômatos humanos entravam e saíam no e do Palácio e os carros passavam, acelerados, levando em seu bojo outras pessoas que só pensavam em chegar em casa, ligar a televisão e ficar parte da noite, hipnotizados e idiotizados em frente àquela telinha que não produzia nada que valesse à pena, porque todos sabemos que não há sensibilidade e nem vida inteligente no interior das TVs, inventos diabólicos cujo objetivo é nos causar a pasmaceira em que vivemos mergulhados, enquanto os sabiás cantam, desesperados, tentando nos chamar para o porto seguro da beleza que nos cerca e que insistimo em não ver, não ouvir e não sentir.