sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

NERVOS DE AÇO NÃO DOEM

Esta é uma história simples. Fala de um homem comum que as agruras da vida enrigeceram até transformá-lo em pedra bruta e coração tão frio e gélido como o mármore de Carrara. E endurecido, passou a tratar a tudo e todos como se nada fossem porque nada lhe importava. Afinal de contas, por que valorizar o que não merece valor?, dizia às vezes, referindo-se às emoções que não sentia.
E assim viveu - ou pensou viver - por um tempo longo demais. Frio, não sentiu o amor das mulheres que pontilharam sua vida. Por desprezar tudo e todos, foi desprezado por tudo e por todos. Nunca, em toda a sua vida bruta, soube o que era o cantar de um passarinho pousado na janela de seu quarto numa bela manhã de verão; nunca percebeu que havia flores no mundo e que o desabrochar das flores era o espetáculo máximo da natureza; nunca teve olhos, por vítreos que eram, para ver o nascer do sol ou seu ocaso que trazia em seu bojo a escuridão da noite; nunca viu o brilho das estrelas e nem sentiu o perfume de uma rosa negra; não sentiu o grito de dor dos que esmagava à sua passagem e nem sentiu a angústia dessa mesma dor porque tinha nervos de aço, e nervos de aço não doem. Enfim, como disse um poeta cheio de dor, “quem passou pela vida em brancas nuvens / e em plácido repouso adormeceu / quem não sentiu o frio da desgraça /quem passou pela vida e não sofreu / não foi homem / foi espectro de homem / só passou pela vida /mas não viveu.”
Mas D’us, na sua infinita crueldade, resolveu tornar sensível o homem de mármore. Por isso deu-lhe sentimentos que não conhecia e o fez conhecer a mais bela de todas as mulheres que um dia povoaram a Terra. E então, o mármore, e não o Verbo, se fez carne. E por ser carne, sentiu dor, sentiu alegria, sentiu preocupação, sentiu amor e sentiu paixão.
Por isso morreu. Não por ser carne, mas por sentir. E como sentia, sentiu que a mulher que lhe despertou tantas emoções dissolveu-se à sua frente como se fora uma estátua de sal sob a chuva da vida. E ele, não suportando a ideia do viver sozinho com tantos sentimentos a repartir, liquefez-se e vazou a essência de si por todos os poros, escorrendo lentamente em direção ao rio mar, onde misturado a outras águas, desapareceu para todo o sempre, para nunca mais voltar.

DE FANÁTICOS E FANATSMO

Talvez nada seja mais prejudicial às instituições humanas que o fanatismo. E isso vale para go-vernos, religiões, seitas, filosofias e até mesmo para o modo como cada um conduz a própria vida.
Voltaire dizia que “o fanatismo é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que é a raiva para a cólera.” Dizia mais: “aquele que tem êxtases, visões, que considera os sonhos como realidades e as imaginações como profecias é um entusiasta; aquele que alimenta a sua loucura com a morte é um fanático.”
Exemplos não faltam dos males que o fanático e o fanatismo podem causar. Bartolomeu Diaz, que partiu de Roma para ir assassinar seu irmão e que o matou acreditando fazê-lo pelo amor de Deus, foi um dos mais abomináveis fanáticos que em todos os tempos pôde produzir a superstição.
Os assassinos do do rei Henrique III, do rei Henrique IV, do Arquiduque da Áustria por um fanático sérvio, o que desencadeou a I Guerra Mundial com seus 10 milhões de mortos, de Ghandi e de tantos outros, foram enfermos da mesma raiva de Diaz.
Outro exemplo de fanatismo simplesmente horripilante, foi o que fez com que os burgueses parisienses degolassem e atirassem pelas pelas janelas para que fossem despedaçados pela turba em delírio seus concidadãos, pelos simples fato de serem protestantes (huguenotes), naquilo que se tornou conhecido como o massacre da noite de São Bartolomeu, que provocou a morte de algo entre 30 mil a 100 mil pessoas. Mas há fanáticos de outros tipos, como aqueles magistrados que, a sangue frio, condenam aqueles cujo único crime é não pensar como eles.
Quem tem o cérebro gangrenado pelo fanatismo, é possuidor de doença incurável. Quem sabe, talvez, o espírito filosófico possa se sobrepor a esses portadores do mal em toda a sua virulência. Essa gente está persuadida de que o espírito nada santo que os penetra está acima das leis e que o seu entusiasmo é a única lei a que devem obedecer.
O Ano Novo se aproxima e com ele um novo tempo na política do Brasil e do Amapá. E os fanáticos de todos os naipes ideológicos estão a postos com suas garras de águias das grandes alturas para se lançarem sobre seus adversários ou quem quer que acreditem não concordar com suas ideias e crenças.
Que Deus nos livre deles, ou se apiede de nós, o povo, se esses abutres se colocarem acima do que recomenda a prudência e o espírito do filósofo se ausente de nós. Sabe-se que o mundo só conhecerá a verdadeira paz, no dia em que os príncipes forem filósofos e os filósofos, príncipes.






O ASSESSOR DO VEREADOR

Sarah Bernhardt, a maior de todas as estrelas que passaram pela Comédie Française, certa ocasião, referindo-se às pessoas de pouca importância, mas que se dão ares superiores, chamou-as de “sargentos da vida”. Queria dizer, naqueles tempos em que generais e marechais de França desmanchavam-se à sua presença, ao seu olhar, aos seus olhos e principalmente à sua arte, que eles, na sua imponência, eram muito mais simples do que as patentes inferiores, suboficiais que arrotavam uma importância que não possuíam.
Realmente, quem se dá muita importância, é porque não tem nenhuma. Os verdadeiramente grandes, são afáveis, simples, cordatos, tranquilos, humildes, não a humildade da subserviência, mas a humildade característica de quem não se deixou picar pelo inseto do orgulho.
Napoleão, conta-se, passou horas no posto de sentinela, ao encontrar dormindo, vencido pelo cansaço, o soldado que deveria estar atento, vigiando as trincheiras inimigas. Não o castigou. Soldado, ele também, sabia que contra o sono não há resistência.
Soubéssemos nós que o sono é o morrer na certeza da ressurreição, quantos de nós desfrutariam desse prosaico prazer, que só é sentido depois do acordar? A importância que nos damos sem nada sermos, chega a ser insolente.
Jesus era a humildade personificada. Ghandi, dele se disse que as futuras gerações jamais acreditariam que tal homem pudesse existir tamanha a bondade e pureza de seu coração.
Temos o mau hábito de achar, que o idiota deste lado do rio é superior ao idiota do outro lado do rio. Arrogância, orgulho e preconceito andam de mãos dadas. Esquecemos muitas vezes, que quem preconceitua, pré-julga e pré-condena.
Tenho conversado com grandes homens que são exemplos de cordura. Eu que não sou tão simples assim, pois às vezes atribuo-me uma importância que não possuo, tenho tido este raro privilégio. E aprendido com ele. A vida é um eterno aprender. Uma lástima que tão poucos de nós o consigam.
A propósito, há dias encontrei um vereador furioso. Resfolegava como uma locomotiva antiga. Movido à lenha, soltava fumaça pelas narinas, como se fossem elas cha-minés emborcadas. Puxou-me de lado e confidenciou-me o motivo de tamanha indignação: Um secretário muni-cipal não pudera atender de imediato, um assessor seu.
Assessor, como todos sabem, é aquele sujeito importantíssimo que atende também pelo mimoso apelido de “aspone”. Um “aspone” sabe-se, é infinitamente superior ao “asponin”, que nada mais é que um “aspone” interino.
Mas, voltando a Sua Importância Real, o vereador, continuando a destilar toda a raiva que lhe era possível, esbravejava: - “Já pensou, amigo Carlos, não recebeu o meu assessor!”
Depois, olhando-me nos olhos, angustiou-se e perguntou: - Será que ele não percebeu que o meu assessor era uma autoridade? Afinal de contas, trata-se de um assessor de um vereador...
Deixei-o na dúvida quanto à importância do assessor e fiquei matutando com os meus botões. Ainda sou um matuto. Daqueles que matutam com seus botões. Fui embora pensando na importância daqueles que não têm a menor importância.