sexta-feira, 27 de agosto de 2010

PARTINDO ANTES DO TEMPO

Suicídios existem desde que o homem começou a compreender a angústia da espera da morte. Após a descoberta do horror, a eliminação da própria existência passou a ser uma espécie de “ás” na manga do jogador, que sabe ter na própria morte, a opção para fugir de sofrimentos grandes demais.
Às vezes, o fardo da vida torna-se tão pesado, a caminhada tão íngreme, o esforço tão ingente, a angústia tão terrível, a desilusão pela perda dos sonhos e das esperanças tão grande, que o melhor caminho é a auto-eliminação.
Essa vontade de largar tudo no meio do caminho e ir para o antes de tudo, para o mundo do nada, para o vazio absoluto, para a grande escuridão, não é privilégio de ricos ou pobres, grandes ou pequenos, felizes ou infelizes. Todo homem, numa fase qualquer da vida, experimentou o gosto amargo da derrota, e pensou em partir para a luz das estrelas.
Os pobres, ao se despedirem daquilo que a religião já chamou de "um vale de lágrimas", ficaram na vala comum do anonimato, como se nunca tivessem existido. Nossa história recente está cheia de exemplos. Getúlio Vargas, o mais famoso dos suicidas brasileiros, matou-se para, segundo ele próprio, "sair da vida e entrar para a história". Quarenta e três anos depois, seu filho, Maneco Vargas, seguiu-lhe o exemplo, e saiu da vida sem o menor desejo de entrar para a história.
Alguns homens, depois de cumprir seu destino glorioso, partiram por conta própria. Roubaram à grande Dama da Foice, o prazer de assustá-los com a angústia da sua espera. Entre eles contam-se Hemingway e Jack London, criador do inesquecível Martin Eden, sua obra prima. Como numa antevisão do próprio destino, o personagem, tal qual o autor faria anos depois, suicida-se, cansado de viver entre pessoas que não valorizam o conteúdo dos homens.
Quase nada mudou. Continuamos não vendo nada, a não ser o papel de embrulho que nos envolve. Uma lástima.
Em que pese a glorificação da vida, morrer com dignidade, sereno, tranquilo, consciente do ato que responderá a tudo ou a nada - não há opções - não deve ser tão condenado pelos que ficam. A Igreja, em que pese montar sua tese em cima do perdão, não perdoa o suicida.
Saibamos perdoá-los. De um certo modo, somos todos suicidas também.