quinta-feira, 9 de setembro de 2010

COM A CORDA NO PESCOÇO

Vivia com a corda no pescoço. Era uma ilha, cercado de dívidas e problemas por todos os lados. Às vezes, desespe-rado, pensava em se matar, mas depois pensava na mulher - aquela megera que adquirira a obrigação de cuidar - e nos filhos que estes, sim, tinha a santa obrigação de cuidar e zelar. Não haviam pedido para nascer. Cabia-lhe portanto, o dever de dar-lhes comida, abrigo e segurança. Mas a vida pode ser muito cruel, como descobriria depois.

Um dia, sua crença no Deus de bondade em quem sempre crera foi abalada. Não entremos nos detalhes sórdidos. Não vale a pena. De certo, mesmo, é que aquela fé inabalável foi sacudida de alto a baixo. Não é que a mulher esquálida, desgrenhada, mal humorada, que vivia porque Deus a incumbira de atormentar-lhe a vida, o corneara. Sim, senhor, com direito a dois pontos: o corneara.
Azar nunca vem sozinho. Desgraça pouca, é bobagem e navio afundado, bem carregado - e no largo, dizia-lhe sempre o vizinho sarcástico que morava ao lado. Vai ver que o “disgramado” sabia de tudo. E espalhara a notícia. Agora entendia porque riam à sua passagem. Passou anos acreditando que era mera coincidência. Afinal de contas, não tinha nada que causasse risos. Quando muito, ar de comiseração. Sentiu-se traído. Não pelos homens. A traição é inerente aos homens. Mas pelo Todo Poderoso. Como Deus pudera fazer-lhe aquilo? Perguntava-se noite e dia. Foi quando notou a filha querida com ar estranho. Ar de culpada. Culpada de quê?, angustiava-se. Seu anjinho - apenas 14 anos - não tinha pecados, logo não podia ostentar com doce resignação, aquele ar tão culpado. Entendeu tudo quando, desfalecida, foi levada ao Pronto Socorro Municipal. O anjinho, além de grávida, tomara veneno. Chumbinho, para ser mais exato.
Anjinho foi enterrada às cinco da tarde, sob uma chuva fininha. Com ela, seu pai, agora finado, foi enterrado também. A dor fora grande demais para ele. Tristonho, depois de voltar do hospital onde a filha dera o último suspiro, matou-se do único modo como poderia: com a corda no pescoço. Afinal, vivera tanto tempo com ela que, até por uma questão de justiça, sentia-se na obrigação de morrer com ela.
Dizem que uma constelação de apenas três estrelas, que às vezes se vê no firmamento quando a carga de sofrimento é pesada demais e os joelhos vergam sob o peso da vida, são o anjinho, o pai amado e o filho que não chegou a nascer. Se mostram para alguns, na espe-rança de que venham fazer-lhes companhia. As estrelas, para quem não sabe, às vezes se sentem sozinhas demais.