segunda-feira, 10 de maio de 2010

UM ESTRANGEIRO TRISTE

Que era um estrangeiro, nenhuma dúvida. Não o estrangeiro de Camus, não um "stranger in the nigth". Era um estrangeiro que amava. Amava duas mulheres distintas. Estas sim, estranhas uma para a outra, como só as mulheres conseguem ser. As belas mulheres, principalmente. Era um estrangeiro, porque o texto estava escrito em português. Não um belo português. Não um português castiço. Um português sofrível, diria.
O texto, uma crônica triste, como só conseguem ser as crônicas escritas para a mulher que se ama. Como se sabe, mulheres não amam, são amadas.
O curioso, é que uma das mulheres, guardava de forma descuidada, o texto escrito para outra. E ele as amava com o fervor que só os recém convertidos têm, porque é impossível não amar Veneza, assim como era impossível não amar aquela desconhecida a que chamava Princesa de Ébano e Rainha de Sabbah. Até hoje, tantos anos passados desde o dia em que o encontrei (o texto), num banco da gôndola que me transportava pelo Canalle Della Giudecca, numa fria manhã de fevereiro, pergunto-me se o nome do estrangeiro não seria Salomão?
Conhecer Veneza e depois morrer. A frase, rabiscada num canto da página, dava ideia do amor que sentia pela Pérola do Adriático. Talvez por isso, tenha deixado a crônica lá mesmo. Talvez Veneza pudesse entender e perdoá-lo por gostar de outra. Quem sabe o que anda no coração dos homens?
O texto? Bem, tentei reproduzi-lo até onde pude traduzi-lo do seu idioma de amor, para última flor do Lácio, inculta, bela e hoje, um tanto quanto anglo-saxônica.
"Na quarta-feira das minhas cinzas pensei em ti. Pensei em ti e mergulhei na tristeza que me envolveu quando falaste em partir. E pensando em ti, ouvi a Sonata ao Luar, de Beethoven; passeei de mãos dadas com Chopin, em seu Noturno em Mi Bemol Maior; desapareci em meio à grandiosidade de Wagner, em O Crepúsculo dos Deuses; e tentei consolar-me com as Ave-Marias de Schubert e Gonoud. Ouvi toda sinfonia nº. 7 em Mi Maior, de Bruchner, e chorei. Chorei duplamente. Chorei porque senti falta de ti, e porque demorei tanto a te encontrar. Chorei porque sou o que sou, e és o que és.
Mas acima e além do que somos, chorei porque não há medida, não há escala no universo, que possa medir a falta que sinto de ti. Sinto-me um deserto escaldante da febre de amar, e não tenho uma gota sequer do líquido que és, e que me traria de volta à vida, que sem ti não existe. A condição humana me tornou vulnerável e me fez doente. Minha imaginação febril me faz ver-te onde não existes, me faz sentir, cheirar, beber e degustar todo o teu ser, e mesmo assim, isso não me satisfaz nunca, porque quero sempre mais e mais o teu ser, mesmo sabendo que não sou o teu ser, não sou o teu elo perdido, não sou a tua outra metade, o que por certo é estranho, porque és o meu elo perdido, és a minha outra metade, és aquilo que por não ter, me faz tão pequeno, tão menor, tão lágrima a escorrer pelo rosto do amor."
Muitas vezes, tenho lamentado não ser esse estranho, que a poeira do tempo levou.