quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O ANALFABETO ERUDITO

Roberto Campos, cujo nome a esquerda tradicional execra, por falta de um pouco mais de neurônios, é uma das penas que mais aprecio ler. Economista, diplomata e político, não necessariamente nessa ordem, Campos pode ser admirado ou combatido, o que é absolutamente irrelevante. O que é relevante é a sua causticidade e precisão, quando aborda problemas nacionais ou estrangeiros. Ferino, cáustico, irônico, Campos é dotado daquela capacidade maravilhosa, que só os que se destacam pela inteligência têm, que é uma imensa capacidade de rir de si mesmo, e chorar pelos outros. Quaisquer que sejam eles.

Evidentemente, que os meus prezados amigos da - se ainda podemos chamá-la assim - esquerda vão chiar e dizer-se desapontados com esta preferência, que não é ideológica, diga-se, mas que não se negue jamais que, tal qual Nelson Rodrigues, pode-se discordar dele, mas não se pode deixar de admirar o modo como diz o que tem a dizer. É esse como o que atrai os que, como eu, têm também essa queda pela ironia fina, pela causticidade, por essa ojeriza total à falta de neurônios, que se tornou uma epidemia nacional e mundial. A burrice, convém esclarecer, antes de mais nada, é absolutamente irritante.
De tal modo é que, manuseando os dois volumes de A Lanterna na Popa, livro de memórias de Roberto Campos, fiquei pensando no título: A Lanterna na Popa.
Barcos, sabe-se, têm popa, e proa também. Lanterna na popa dá a impressão que ela, a lanterna, está ali, não para sinalizar ou evitar possível colisão por parte de um barco quem sabe, com mais nós de velocidade. A impressão que tenho é que elas, as lanternas, estão na popa para iluminar o passado.
Ao pensar nisso, lembrei-me do senador José Sarney, de quem se pode discordar ou não, mas que tem inegável bagagem literária, e também essa maravilhosa capacidade de rir de si mesmo. Em certa ocasião, estava eu presente a uma das suas muitas vindas a Macapá quando um jovem repórter perguntou-lhe sobre seu futuro político. E ele, de bate pronto, respondeu paciente ao colega de imprensa: “Meu filho, após esses anos e cargos todos, não tenho futuro político. Tenho passado político”. Uma pérola.
Mas, voltando a Campos, o capítulo I de seu livro, tem o contraditório título de “O analfabeto erudito e suas peripécias". Lembrei imediatamente do velho Nelson e sua peça teatral "Perdoa-me por me traíres”. Uma contradição, em termos.
O espaço é pequeno. Preciso encerrar essa divagação literária, mista de crônica e lembranças fugazes da minha pequena experiência jornalística, ainda aprendiz na difícil arte de mexer com letrinhas, vou ficar na quadra que serviu de inspiração a Campos, e que é de autoria de Samuel Taylor Coleridge (1772-1834): “Mas a paixão cega nossos olhos, / e a luz que a experiência nos dá é a / de uma lanterna na popa, que ilumina / apenas as ondas que deixamos para trás.”