sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

TUDO NA MESMA

Foi ao cemitério no horário em que não vai ninguém. Ajoelhou-se sobre o túmulo de um de seus antepassados, e pensou nos que se foram antes dele. Alguns tinham ido antes mesmo que nascesse. Derramou uma lágrima solitária pelo pai que não conhecera. Sentia saudades daquele homem ausente que o gerara. Como seria ter um pai?, perguntou-se angustiado. Decidiu ir para casa e por um fim àquele rosário de saudades de pessoas que não conhecera. A tristeza, quando vem do fundo da alma da gente, é como uma grande onda que nos envolve por dentro e por fora, é um turbilhão de água que nos engole e devora a alma, o coração e a mente, não deixando espaço para mais nada, a não ser uma enorme vontade de ir para um lugar onde o sono seja eterno, e não haja a necessidade de acordar para sofrer mais. Trabalhara e vivera tempo demasiado em meio ao que há de pior no mundo. O jornalismo não vive de fantasias ou do lado bom da vida. Tudo é muito cruel, muito desumano, violento demais. Cansara-se de mortos, feridos, tragédias, separações, sofrimento, dor e sangue. Principalmente disso: sangue. Era tanto sangue, que só conseguia ver o mundo em verme-lho. Foi por isso que decidiu adotar a cor amarela. O amarelo-pálido bem podia significar o fim disso tudo. Deu um sorriso triste e amargo. Se algo existisse depois da transposição do umbral da morte, encontraria os seus e nunca mais choraria de saudades. Caso não existisse, pelo menos não sentiria aquela opressão tão angustiante, tão dorida que quase não o deixava respirar.

Teve o cuidado de fazer tudo direito. Primeiro, colocou a bacia com água ao seu lado. Depois, deitou-se, e com a navalha afiada com que tantas vezes fez a própria barba, abriu o pulso esquerdo e o mergulhou na bacia. Nada esguichante. Afinal de contas, limpeza era fundamental. Escreveu antes o bilhete de despedida. Sua morte era o protesto final contra tanta violência estampada nos jornais de todo santo dia. Imaginou a redação em polvorosa. Seu fim bem podia significar a preservação de outros que tinham mais e melhor a fazer que ele. Restaria algo de bom naquele gesto que ninguém entenderia, exceto os amantes da morte. Deu azar. Naquele mesmo dia um avião caiu, um caminhão lotado de gente pobre virou, um deputado foi acusado de ser narcotraficante, os juros subiram, o dólar despencou e o presidente e o governador disseram que tudo estava sob controle. Não havia motivo para pânico. Sentiu-se adormecer e pensou nela. Prometera-lhe que seu último pensamento seria para ela. Se seus olhos pudessem registrar algo, a lente de um fotógrafo especial registraria uma bela e negra mulher, fazendo as vezes de menina dos olhos dele.
Não mereceu mais que um cantinho de página interna. Louvaram-lhe os méritos que não ti-nha e caiu no esquecimento geral. Enquanto isso, a vida continuou como sempre fora. Uma bomba explodiu em Israel, os americanos invadiram outro país, um idiota ao volante de possante carro importado matou três pessoas e a vida continuou como sempre fora e sempre seria.