segunda-feira, 7 de junho de 2010

O MEDROSO

Era um medroso nato. Literalmente, nascera com medo de tudo o que há. E essa foi a sua tragédia. Neste mundo cão não há espaço para os fracos, os covardes, os ineptos, os lentos, os ineficientes, os deficientes, exceto se o deficiente for um leão, que este sim, atemoriza a todos até mesmo quando combalido pela doença ou pelas feridas recebidas em uma vida de lutas pela sobrevivência. Leões atemorizam até mesmo depois de mortos. Poucos são os homens-leões. A maioria, apenas ratos, hienas ou vacas de presépio. Aquele homem medroso era uma espécie de rato, daqueles que fogem para seus tugúrios ao menor ruído, que se refugiam, tal qual todo covarde que se preza, no mundo das sombras.
O homem medroso tinha medo de tudo. Medo da luz, medo da escuridão, medo de ficar sozinho e medo de multidões, medo de beber e medo de comer. Tudo podia fazer-lhe mal, angustiava-se. Não suportava a ideia de casar. O que não poderia acontecer-lhe se casasse com uma mulher má. Daquelas que botam azeite quente no ouvido do marido quando ele se entrega aos braços de Morfeu? Não. Mulheres na sua vida pacata e segura, nem pensar.
Mas o destino, ah!, o destino. Talvez nem tenha sido o destino. Quem sabe um demônio? Demônios, como se sabe, têm por diversão predileta, pregar peças em pobres e desavisados humanos. Principalmente dos que tem medo de tudo. E foi por isso que, desavisado, apaixonou-se por uma bela mulher. Daquelas que prometem tudo e realizam muito mais. Daquelas que fazem Messalina parecer anjo de candura e inocência. Só podia ser coisa do "dêmo", diziam, benzendo-se, as velhas beatas e fofoqueiras da pequena cidade em que vivia o homem medroso.
Foi por isso que o homem que sentia medo de tudo decidiu que era tempo de se ir deste maldito planeta onde tudo o atemorizava. Menos mal que, cônscio de seus deveres, não planejou uma morte rápida. Daquelas tipo tiro na cabeça. Sua fiel empregada doméstica não merecia a tarefa imunda de juntar-lhe os miolos e lavar lençóis, paredes e o piso que ficariam impregnados com parte de seus miolos, ossos, cabelos e sangue. Muito sangue. Preferiu uma morte lenta. Por estranho que pareça, isso não o atemorizou. Sentiu-se até mesmo tranquilo e esboçou um sorriso. Ninguém sentiria sua falta Não tinha, mesmo, nenhuma importância para ninguém. Preparou a cama. Era preciso partir com dignidade, uma vez que vivera a vida de maneira indigna. Não é digno o homem que treme diante de outro homem. E como ele temera e tremera diante dos homens, da vida, de tudo...
Sentou-se à beira da cama recoberta de alvos lençóis, pegou a afiada navalha que comprara para aquele fim e, num rápido golpe viu o sangue, o seu sangue, manchar de rubro a água tépida que colocara na bacia ao seu lado. Não gritou. Sequer gemeu. Sentiu frio. Sabia que o frio antecede a morte. Deu, outra vez, um pálido sorriso e sentiu a escuridão que se aproximava veloz, de seus olhos, de seu cérebro, deletando-o definitivamente da vida e o mandando de volta para o reino do negror absoluto que havia antes de ser gerado num ventre de mulher.
Pobre homem medroso. Merece ele todas as nossas lágrimas, toda a nossa piedade, porque morreu sem saber que ela, a morena dos lábios com sabor de mel de abelha, morreu de velhice, esperando por ele de braços abertos. Morreu sem saber que, para ela, era ele o seu sonho, sua quimera, seu elo perdido, que nunca faria aliança com ela, como é o destino dos homens. Menos dos homens covardes como ele.