segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O GOSTOSO


Chamava-se Gostoso. Mais precisamente, João Gostoso. E pelas histórias que contam dele, tudo indica que, realmente, era um homem gostoso. Nasceu bonito, pele amorenada, cabelos levemente encaracolados, lábios carnudos, discretamente sensuais e aquele olhar de peixe morto, a la Clark Gable. Forte, alto, cerca de 85 quilos distribuídos em exatos 1,90 m, era o prazer do olhar das mulheres, fossem elas feias ou belas, casadas, solteiras, amigadas, amasiadas ou amancebadas, como si dizia antigamente, jovens, maduras ou avelhantadas. Todas, sem exceção, suspiravam languidamente quando ele, o Gostoso, passava por elas, com seu andar firme e rosto sério, quase severo.
João Gostoso não era o falso gostoso, aquele que se acha, no mínimo o máximo. Aquele que diz que “comeu” todas, quando na verdade “comeu” bem poucas ou nenhuma. Ele, o Gostoso não era assim, não. Como era homem honesto, mas não santo, levou – ou foi levado – pra cama por todas quantas quis ou pode. Mas, jamais propalou qualquer nome das muitas mulheres que lhe atravessaram a vida. E não foram poucas. Dezenas, centenas delas, mas nenhuma, a mulher-sonho que idealizou. Profissional competente, fez sucesso na carreira que escolheu. Em suma, era o tipo de homem que toda mãe sonhou para a própria filha.
Mas, e tudo tem um mas, João Gostoso era amazônida, e por isso, por causa de suas raízes caboclas, mesmo podendo viajar nos melhores aviões existentes – e de primeira classe – preferia viajar de barco, navio, canoa, batelão, piroga, qualquer tipo de embarcação. Se flutuasse e lhe proporcionasse um mínimo de conforto, era com ele mesmo. Tinha até mesmo uma lancha. Lancha, vírgula, aquilo era um belíssimo iate, quase uma pequeno transatlântico.
Um dia, decidiu viajar para uma cidade vizinha. Coisa pouca, em termos amazônicos. Não mais de 24 horas. E isso em comum barco a motor. Daqueles dos quais existem aos milhares na região dos mais belos rios e florestas do mundo. E de repente lhe deu saudades dos tempos de rapaz, quando singrava aqueles mares de água doce em pequena canoa a vela. E foi por isso que, ao decidir matar aquela saudade que lhe oprimia o peito e que o chamava de volta ao passado, que decidiu fazer aquela viagem em barco a motor.
Quem conhece, sabe que a baía do Marajó - aquela que banha a maior ilha fluvial do mundo, e que tem o mesmo nome, Marajó – não é lugar para brincadeira. Ninguém sabe, ao certo, quantas centenas de embarcações tiveram lá seu fim. Mas, o piloto daquele barco, não era homem de temer alguma coisa. Menos ainda, aquela baía assassina, que já navegara milhares de vezes. Mas, como todos sabemos, tudo na vida tem uma primeira vez. E daquela vez não foi diferente. Irritada porque Netuno dera-lhe ordem de se manter plácida, quando seu desejo era receber ventos fortes, encrespar-se e mostrar aos homens o quanto era poderosa, foi que se deu a tragédia. Desobedecendo as ordens recebidas, enfunou velas que por ali passavam, e fez pequenos barcos escalar montanhas d’água furiosas que bramiam como que açoitadas por Cérbero, o cão do Hades. A diferença, é que depois de fechadas as escotilhas, baixada a vela mestre e às vezes, até mesmo a bujarrona, é difícil uma canoa daquelas afundar. Só mesmo a sorte ou o destino podem fazê-lo. Mas, um barco a motor, este, naquele mar-oceano não tem a menor chance. E foi o que aconteceu. Se pelo menos o piloto tivesse conseguido vislumbrar a boca de entrada de um pequeno rio, de um igarapé, de um furo, de um paraná, ou até mesmo de um paraná-mirim onde pudesse aportar, tudo poderia ter sido evitado. Mas não foi o que aconteceu. Aquela frágil embarcação já estava com seu destino selado desde que recolhera âncoras e se pusera ao largo. Se pelo menos o piloto tivesse conseguido virar o timão, um pouco que fosse, para se posicionar adequadamente e pegar maré de popa, ainda haveria possibilidade de salvação. Mas não foi o que aconteceu. Ao tentar a manobra, uma onda de vante pegou o barco de lado e não deu outra. O barco virou e rapidamente afundou. A tripulação, acostumada àqueles acontecimentos, agarrou rapidamente as bóias de miriti e conseguiu se salvar. Até mesmo o piloto, em sua minúscula cabine de comando, conseguiu se evitar a morte. Só João Gostoso, o amante de barcos e das águas amazônicas não o conseguiu. O barco tornou-se seu túmulo, seu mausoléu de madeira.
Nesse dia houve banquete no fundo do rio. Afinal de contas, não é todo dia que peixes, camarões, caranguejos e todos os animais do fundo dos rios, baías e igarapés, têm a oportunidade de devorar um homem tão saboroso.
NÓS E O POVO HEBREU

Sei que é muita pretensão minha querer – e o que é pior – tentar escrever sobre a saga do povo que o próprio Deus chamou de seu e com o qual, nós, ocidentais no geral e brasileiros no particular, além dos médio-orientais, temos tudo a ver. No entanto, como ousadia é palavra que não está ausente do meu dicionário, vou pelo menos tentar falar sobre um povo, uma nação e uma religião que estão enraizados no mais profundo do nosso ser, senão, vejamos: Nossos nomes próprios são, em grande parte, nomes hebraicos. Exemplos: Gabriel, Rafael, Miguel, José, Maria (Miriã), Simão, Madalena (Maria Madalena ou Maria de Magdala, Magadã ou Magedan (cidade próxima da margem ocidental do Lago de Tiberíades. Atualmente a cidade de Migdal fica nas proximidades da antiga Magdala); Jair (natural de Gileade; Benjamin (filho caçula de Raquel e Jacó. Sua mãe, Raquel, chamou-o de Benoni (que significa “filho da minha dor”). Jacó, por sua vez o chamou de Benjamin (filho de minha mão direita. O nome também designa uma das 12 tribos de Israel. A propósito, o nome Israel, tão comum entre nós, significa “O que lutou com Deus” ou “Forte como Deus”. Anteriormente seu nome era Jacó (Jacob), aquele que trabalhou para Labão durante longos 14 anos por causa da bela Raquel, foi patriarca, filho de Isaque (Isaac) e Rebecca, neto de Abraão (Pai de multidões), o que antes foi Abrão (Pai do alto).
Fiquemos por aqui, apenas para citar alguns nomes. Nossas religiões têm tudo a ver com o povo hebreu. O nome foi aportuguesado do hebraico Ivrim ou Ibrim, para denominar os descendentes de Sem, filho de Noé. Muitos, porém, acreditam que hebreu, seria uma denominação advinda da expressão ever ha-nahar que significa “aquele que vem do outro lado do rio”, uma referência ao Rio Eufrates.
Foram eles, os hebreus, que primeiro tiveram a noção de um Deus único, ao contrário de todos os outros povos conhecidos à época, que tinham diversos deuses, incluindo gregos e romanos. Jesus (Yeshua, em aramaico), um judeu e também arameu, é o nosso referencial sobre tudo o que existe de bom em todo o Universo conhecido. O mesmo Deus de Abraão é o nosso Deus, que também atende pelos nomes de Javeh, Jeovah, Elohim, Adonai ou ainda pelo tetragrama YHWH (ou seja, o Impronunciável) e o príncipe maior da Igreja Católica é Petrus (Pedro, em grego, aquele que antes era Simão, o pescador). Aliás, é bom lembrar que, assim como as igrejas protestantes, as ortodoxas e outras variações do catolicismo, a maronita, são filhas diretas da Igreja Católica, esta também, é filha direta do judaísmo. Se bem observarmos, veremos que nossa cultura, além da influência helênica, claro, tem muito – ou quase tudo a ver com o grande povo judeu. Aliás, segundo Gräetz, os povos criadores da civilização humana foram exatamente gregos e hebreus. Os helenos foram protagonistas únicos na história dos povos conquistados. Depois de sucumbirem sob as falanges macedônicas e as legiões romanas, impuseram aos vencedores sua enorme cultura que ainda hoje é fonte de conhecimento entre nós. Quanto ao povo hebreu, ao contrário dos gregos, permaneceu vivo em meio a impérios. Só para que se tenha uma pálida ideia de sua determinação em sobreviver num mundo hostil desde sempre, somente Jerusalém (que já teve nomes como (Jebus (dos jebuseus), Salém, Urusalim, Siom, Cidade de Davi, Aelia Capitolina, El Kuds (Santa), Beit el-Makdes (Casa da Santidade), Bet há-Mikdash (Templo), tem conseguido ressurgir das cinzas como se fora uma Phoenix hebréia ao longo dos últimos quatro mil anos a 121 conflitos por seu controle. Ela foi destruída duas vezes, 23 vezes sitiada, 52 vezes atacada e 44 vezes capturada por tribos e exércitos de impérios.
E ainda hoje, rodeado por milhões de inimigos árabes (eles também semitas e ditos descendentes de Ismael), Israel continua a guerrear por uma simples razão: o direito de existir. Ainda que banhada em sangue, milhões de litros de sangue ao longo de sua história, Jerusalém continua sendo a cidade sagrada de três grandes religiões: judaísmo, cristianismo e islamismo. Além disso, ao que tudo indica, o passado, o presente e o futuro da humanidade passam por ali. E por toda Israel, evidentemente. Não à toa que judeus de todo o mundo continuam a dizer todo santo ano na época da Páscoa (Pessach, em hebraico, passagem, em português): “Ano que vem, em Jerusalém). Israel, é portanto, por tudo o que já nos ofereceu, por tudo o que nos oferece e por tudo o que ainda há de nos oferecer, a ponte entre as trevas e a luz.