quinta-feira, 12 de novembro de 2009

UMA GAVETA VELHA


Sem muito o que fazer, decidi abrir uma gaveta velha. Não devia. Gavetas velhas não deveriam ser abertas jamais. São depósitos dos nossos sentimentos mais recônditos. Alguns tão velhos que a gente nem lembra mais.
Dentro da gaveta velha, encontrei uma porta que não deveria ser transposta jamais. É uma porta que conduz ao passado, a um tempo em que a gente não sabia que o futuro existia. E hoje, quando o futuro é presente, o passado fica tão doído, tão triste como só conseguem ser as teias de aranha tecidas pela poeira do tempo. Um tempo que sabemos, não voltará jamais. Não podem ser mexidas. Correm o risco de se desmanchar, se autodestruir.
E na gaveta do tempo voltei a te encontrar e chorei. Chorei como só os velhos que ficaram velhos demais conseguem chorar. Com saudade de um tempo tão pleno, tão denso, tão rico, tão promissor, e que hoje vemos, era apenas uma promessa que não se cumpriu, uma semente que não brotou, uma imagem que não se fixou. Ficou envolta nas brumas de Avalon, quem sabe? Que sei eu das lendas do rei Arthur?
Mas sei das tuas lendas e das minhas lendas, que pensávamos fossem histórias. Eras tão bonita, que não sei como me esqueci disso. Talvez porque o tempo nos torna feios. Por dentro e por fora. As agressões desnecessárias deixam feridas que o tempo não cura. São feridas que doem demais, doem tanto, que os muito novos não têm como acreditar que tanta dor seja possível. Só saberão do que se trata, quando for tarde demais, e estiverem eles também, velhos demais.
Quando isso ocorrer, não poderei chorar com eles, porque serei pó, varrido pela planície da eternidade. Se tiver sorte, uma tempestade solar pode conduzir-me para as estrelas. Serei então o pó que rodeia as estrelas, onde tudo está escrito. Até mesmo que um novo amor é possível.
Mas isso não impedirá que eu sinta uma terrível, uma enorme saudade de mim, uma imensa saudade de ti...