terça-feira, 14 de setembro de 2010

CONTRADIÇÕES

O ser humano, antes de mais nada, é um ser extremamente contraditório. Vejamos por exemplo, o que fez Adamat, o primeiro homem segundo a Bíblia. Vivendo e morando no Jardim do Éden e tendo a possibilidade da vida eterna, insatisfeito, decidiu optar pela finitude própria*, pelo castigo de trabalhar todos os dias para poder comer o pão que o diabo amassou, muito embora não esteja escrito em lugar algum, que o diabo tenha sido padeiro algum dia.**

Outro homem, este muito importante mas extremamente contraditório, foi o rei hebreu Salomão, cognominado o mais sábio dos homens. Até onde vai o meu analfabetismo explícito, não me consta que sábios matem ou ordenem a morte de irmãos ou demais parentes que possam de algum modo, atrapalhar seu caminho em direção a um eventual trono. E foi exatamente o que fez ou mandou fazer Salomão, até que não mais restasse ninguém que se interpusesse em seu desejo de ser rei de Israel.
Caim, filho de Adão, é outro exemplo de contradição. Irmão de Abel, permitiu que a inveja dominasse seu coração e por isso matou seu frater. Nessa época, tempo em que os homens falavam com D’us ao vivo e em cores, Caim perdeu esse privilégio, foi amaldiçoado pelo próprio Senhor dos Exércitos, escorraçado do lugar em que vivia, e condenado a perambular pela planeta dos homens, sem ter um amigo, sem ter um lugar onde pudesse a fronte pousar, exposto ao tempo e ao vento, padecendo os maiores tormentos, fugitivo dos homens na paz, e também da morte na guerra, como bem poderia ter dito Gonçalves Dias em seu I-Juca-Pirama. E tudo isso apenas por ser um homem pleno de contradições.
Moisés é outro exemplo de como os homens podem pagar um preço alto demais por serem contraditórios em seu modo de ser. Após receber das mãos do próprio Senhor de tudo o que há, as Tábuas da Lei, também conhecidas como Os Dez Mandamentos, foi o primeiro a contrariar o artigo que diz: “Não matarás”. A ordem é simples e direta, sem subterfúgios ou tergiversações. Diz apenas, não matarás. E foi isso, exatamente que fez o próprio Moisés ao descer do alto do Monte Sinai, lugar de seu encontro com D’us, ao mandar passar a fio de espada algo em torno de 3.000 homens que fize-ram e adoraram o Bezerro de Ouro, durante sua ausência, descrentes de D’us e dos homens. Por causa disso, Moisés pagou o preço de não pisar na Terra Prometida, passando a Josué seu cajado e avistando a terra de Israel apenas de longe. Além disso, seu povo foi condenado a vagar durante 40 anos pelo deserto, até que toda aquela geração fosse extinta. Um preço alto demais apenas por causa do espírito contraditório de um homem da mais alta importância para toda a história do homem ocidental.
A lista é interminável. Hitler, que deu o pontapé inicial na Segunda Guerra Mundial, mandou que fossem exterminados em fornos crematórios e outras formas de execução em massa, pelo menos seis milhões de judeus. O problema é que, além da monstruosidade do crime praticado em nome da raça ariana ou germânica, Hitler não era alemão, era austríaco. E, segundo afirmam diversos historiadores, tinha remota ascendência judaica.
Finalmente, para não cansar muito meus eventuais leitores, muitas pessoas, tendo a possibilidade de serem livres, tornam-se prisioneiras de si mesmas ou de outrens por vontade própria porque, como dizia Nietsche, “chegam à convicção fundamental de que têm de ser comandadas, e por causa disso, tornam-se “crentes”. “Inversamente, pode-se imaginar um prazer e força na autodeterminação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência.”
PS. * Adão, ao optar pela própria finitude, condenou todos os seus descendentes a serem finitos “ad infinitum”, assim como condenou à morte, toda e qualquer forma de vida.
** A parte boa dessa história é que Adão, ao comer do fruto proibido, cometeu o mais doce dos pecados.