sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A AMPULHETA DA SAUDADE

A ampulheta da saudade estava cheia. Era uma ampulheta imensa. Do tamanho da minha vida. Mas, o que era a minha vida se a tua vida não estava nela? Para quem não sabe, o deus da Misericórdia me fez nascer para te encontrar. Porém, como mesmo no Olimpo, existem o verso e o anverso, o deus da Impiedade emborcou a ampulheta da saudade e me fez chorar desde o momento que nasci até o inevitável momento da minha morte. E ela, a ampulheta da saudade, vazando sem cessar não percebia que a cada grão que se ia, a minha vida ia com ela. Mas não ia como veio. Ia menor, porque a única coisa que poderia me fazer maior era tu, que primavas pela ausência. Naquela época, eu nem sabia como era a tua forma perfeita e já então chorava a saudade ancestral de ti. Recusei-me a morrer, muito embora a trilha da minha vida fosse um caminho aterrador de dor e sofrimento. Por que viver, se a vida é apenas um enorme, um imenso grito de dor?, perguntei-me. Não obtive resposta. O silêncio da minha alma era tão grande que não me permitia emitir o menor som.

Um dia, quando já me aproximava do fim, senti vibrar uma força vital que não sentira ainda. Por causa disso, levantei-me e caminhei na direção daquela estranha luz negra que varria os caminhos da solidão; que perfumava os campos pantanosos onde me arrastara naquela vida extravagantemente pegajosa; que tocava os sons mais harmoniosos que ouvidos humanos já tinham ouvido desde a criação do mundo. E renovado por aquele hálito de esperança que bafejava todo o meu ser, ajoelhei-me em sinal de adoração, e pecando todos os pecados sequer imaginados pela Serpente do Oriente, abracei-te e te beijei com a sofreguidão dos muito sedentos.
Hoje repouso em paz, livre das minhas angústias, e olho com olhar maroto a ampulheta da saudade que parou na fronteira da vida e da morte. Pobre ampulheta que não conseguiu cumprir sua terrível missão. Não sabia ela que toda a saudade do mundo acaba quando se encontra a mulher-sonho que cada um de nós traz dentro de si, mas que só os beijados pela Fortuna têm a felicidade de encontrar.
Eu fui um deles, por isso, me balanço na minha rede cabocla atada entre duas estrelas. E me balanço entre braços e abraços com a metade de mim, que sei, não me deixará chorar lágrimas de saudades nunca mais. Pelo menos enquanto houver duas estrelas no céu, dispostas a servir de escápulas para a rede de amantes eternos. Tão eternos quanto a luz das estrelas.