sábado, 26 de junho de 2010

TOMA E LÊ

   Em Milão, num dia qualquer de agosto de 386 da era cristã, um homem de 32 anos de idade chorava nos jardins de sua residência. Deprimido e angustiado, estava à procura de uma resposta definitiva que lhe desse sentido para a vida. Nesse momento, ouviu uma voz de criança a cantar como se fosse um refrão: “Toma e lê, toma e lê”. Levantou-se bruscamente, conteve a torrente de lágrimas, olhou em torno para descobrir de onde vinha o canto, mas não viu mais do que um livro sobre uma pequena mesa. Abriu e leu a página caída por acaso sob seus olhos: “Não caminheis em glutonarias e embriaguez, não nos prazeres impuros do leito e em leviandades, não em contendas e emulações, mas revesti-vos de Nosso Senhor Jesus Cristo e não cuideis da carne com demasiados desejos”.
   Foi assim que ocorreu a conversão ao catolicismo, pelas palavras de Paulo de Tarso, de Aurelius Augustinus, nascido em Tagaste, na província romana da Numídia, na África, posteriormente conhecido apenas como Santo Agostinho, um dos maiores doutores que a Igreja já possuiu em todos os tempos.
   Quem nos conta que assim foi, é José Américo Motta Pessanha, no Prefácio das “Confissões”, obra absolutamente indispensável, independentemente da religião professada pelo leitor.
   Lembrei dessa passagem da vida de Agostinho, por causa da nossa pobreza mental e intelectual. Como pretendemos ser um povo evoluído, se somos um povo que não lê - e o que é pior: não gosta de ler?
   Quem não lê, é um deficiente intelectual. Jamais um bom profissional, porque lhe faltará melhor visão e compreensão do mundo, indispensável para que se aprimore no trabalho que escolheu.
   Somos um país de analfabetos. Pior que isso. Somos um país repleto de autodidatas do analfabetismo. Analfabetos por conta própria, analfabetos com diploma. Muitas vezes pós-graduados e cheios de empáfia, mas totalmente vazios do verdadeiro conhecimento.
   Nosso povo não tem dinheiro para comprar livros e jornais, dizem os defensores dos preguiçosos mentais. Na realidade, isto é apenas meia-verdade, o que quer que isso signifique. A verdade ou é ou não é. Meia, jamais.
   Temos dinheiro para beber, para comprar carros, ir a festas, comprar presentes, penduricalhos doirados e badulaques. Mas não temos dinheiro para comprar um reles jornal.
   Toma e lê, ouviu Santo Agostinho. A frase, deveríamos ouvi-la nós todos. Se é que queremos, de verdade, chegar ao que se convencionou chamar de Primeiro-Mundo.
   Antes, porém, que se viva no país dos sonhos, temos que fazer uma revolução em nossos hábitos culturais. Precisamos voltar às origens, quando cultura implicava uma série de atividades ligadas à música, à pintura, à escultura e outras artes. Mas implicava, principalmente, no saudável hábito de ler.
   Tomemos pois o que nos cair às mãos e leiamos. Nossos valores, com certeza mudarão. Quem sabe aprenderemos até o que significa a palavra ética, que nestes tempos de analfabetismo explícito, desapareceu do dicionário dos nossos usos e costumes.