sexta-feira, 26 de novembro de 2010

... E A MORTE CHOROU

O homem pregado na cruz olhou para o passado e ficou sem entender o que havia acontecido. Tudo o que sempre quisera, tinha sido levar paz ao coração de uma humanidade tão atormentada, que de humana tinha bem pouco. Mas como era de seu feitio perdoou-a uma vez mais. Lembrou-se do pai, um carpinteiro tão devotado à esposa, que acre-ditara sem duvidar por um instante que fosse, naquela estranha história de concepção sem pecado. Se ou-trens não entenderam, ele entendeu porque era da sua natureza a compreensão absoluta de tudo o que há. Lembrou dias felizes, quando esculpia pássaros de barro, dava-lhes um sopro e se divertia vendo-os criar vida e voar em direção ao azul do céu de Israel, terra tão bela e tão conturbada, que não conheceria paz até o final dos tempos, porque assim estava escrito que seria. Pobre Israel! E derramou uma lágrima solitária pelo rosto vincado de dor. Lembrou seu breve tempo de contador de parábolas, e seu coração encheu-se de conforto, achando que aqueles ensinamentos seriam transmitidos geração após geração até a consumação dos séculos. Lembrou de fatos que jamais seriam esquecidos. A viagem para o Egito, feita em lombo de burro, era um verdadeiro épico. Principalmente se levado em conta, que seu séquito era composto apenas de uma mulher de simplicidade extrema e seu marido. Gostava mesmo, era de lembrar seu nascimento. Aquela cena do presépio, pressentia, ficaria gravada na mente dos homens de boa vontade para todo o sempre. Mas houvera os tropeços e os enganos. Judas tinha sido o maior deles. Como pudera confiar naquele homem, indagava-se desde o momento em que fora preso?

A dor nas pernas quebradas doía demais. Sabia que não suportaria por muito tempo aquele sofrimento. Aqueles romanos sabiam como inflingir dor a alguém. De repente, deu um grito exasperado. Que necessidade tinha aquele soldado, de furar-lhe o ventre? Mereceriam esses seres de carbono, continuar sua miserável existência?, refletiu por um átimo de tempo, para arrepender-se em seguida. Como pudera pensar desse modo, logo Ele, que fora enviado para salvar os pecadores do mundo? Mas eram tão cruéis, esses homens que o Pai enviara para a dura missão de salvá-los. Às 15h não mais suportou tanto sofrer. Levantou os olhos para o alto e bradou: “Elli, Elli, lema sabachtani? O rosto pendeu sobre o peito, arfou um pouco mais e expirou, pondo fim à sua permanência na Terra dos Homens.
Nas fímbrias do Universo, bem dentro do lado obscuro do espaço sem fim, uma figura sombria enco-lhia-se numa das dobras do tempo. Estava triste. Mais que isso, estava amargurada. Começara sua existência no mesmo momento em que fora criado o primeiro vivente. Desde então matara sem cessar. Era a sua função. Por isso, o estereótipo que fizeram de si: uma Dama sombria, portando sempre a foice com que cortava o liame que prendia os seres à vida. Mas até ela, achara injusta a morte do Homem que acabara de matar. E por não suportar a missão de que a haviam encarregado, e à qual não poderia fugir, a Morte encolheu-se um pouco mais sobre si mesma, pôs as mãos descarnadas sobre o rosto descarnado também, e pela primeira vez em toda a sua existência, chorou como nenhum ser chorara antes e nem choraria depois.