segunda-feira, 31 de maio de 2010

...E O MENINO SORRIU

Dois homem conversavam alheios ao que se passava ao redor. Um, dizia para o outro:
- “Como posso conceber um Deus fraco, misericordioso, que gosta dos menores, dos mais lentos, dos mais incapazes. Isso não faz o menor sentido. Roma domina o mundo, porque nossos deuses tudo podem. Deuses têm os seus preferidos. E os preferidos dos deuses são exatamente, os que aqui parecem com eles. E só se pode parecer com deuses, sendo forte. Tal qual eles. Os fracos existem para servir aos poderosos. Essa é a lei do universo. É o que penso”, sentenciou.
O outro pensava diferente, e retrucou:
- “Esqueces, caro amigo, que tudo é passageiro. Até os deuses romanos são passageiros, como foram passageiros os deuses de outros povos que um dia se julgaram eternos. O Deus único, o que tudo sabe e tudo pode, não passará, porque não teve início e não terá fim. Mesmo que não o compreendas, assim é. Meu povo teve sacerdotes que falaram diretamente com Ele. Foi o que nos ensinou. Foi o que aprendemos, e é o que ensinamos aos nossos filhos que ensinarão aos filhos deles, até o dia, quando eu, tu e Roma, formos pó, em que essa crença cobrirá a terra inteira, porque assim está escrito no Livro da Lei”.
E continuaram conversando e discutindo sobre os mistérios da vida e da morte; sobre a eternidade de Deus e sobre a temporaneidade dos deuses. Por isso, não se deram conta do menino que brincava próximo, esculpindo aves de barro, após o que, soprava-as. Por causas jamais esclarecidas adequadamente à luz da lógica, as aves de barro criavam vida, e levantavam vôo em direção ao poente.
E por estarem tão absorvidos nas discussões sobre qual dos deuses era o melhor, se o mais forte, o impiedoso e cruel, ou se o que preferia os mais fracos, os doentes, os que nada têm, não viram o menino sorrir, como só podem sorrir os que tudo sabem sem a ostentação de tudo saber.
E foi também, no exato momento daquele sorriso, que o menino que passava tão despercebido para os doutos senhores, pensou nas palavras que pronunciaria cerca de vinte anos depois, e que se tornaria a maior oração de todos os tempos. Começava assim: “Bem aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus...”.