sexta-feira, 4 de junho de 2010

NERVOS DE AÇO NÃO DOEM

Esta é uma história simples. Fala de um homem comum que as agruras da vida enrigeceram até transformá-lo em pedra bruta e coração tão frio e gélido como o mármore de Carrara. E endurecido, passou a tratar a tudo e todos como se nada fossem porque nada lhe importava. Afinal de contas, por que valorizar o que não merece valor?, dizia, às vezes, referindo-se às emoções que não sentia.
E assim viveu - ou pensou viver - por um tempo longo demais. Frio, não sentiu o amor das mulheres que pontilharam sua vida. Por desprezar tudo e todos, foi desprezado por tudo e por todos. Nunca, em toda a sua vida bruta, soube o que era o cantar de um passarinho pousado na janela de seu quarto numa bela manhã de verão; nunca percebeu que havia flores no mundo e que o desabrochar das flores era o espetáculo máximo da natureza; nunca teve olhos, por vítreos que eram, para ver o nascer do sol ou o ocaso que trazia em seu bojo a escuridão da noite; nunca viu o brilho das estrelas e nem sentiu o perfume de uma rosa negra; não sentiu o grito de dor dos que esmagava à sua passagem e nem sentiu a angústia dessa mesma dor porque tinha nervos de aço, e nervos de aço não doem. Enfim, como disse um poeta cheio de dor, "quem passou pela vida em brancas nuvens / e em plácido repouso adormeceu / quem não sentiu o frio da desgraça /quem passou pela vida e não sofreu / não foi homem / foi espectro de homem / só passou pela vida /mas não viveu.
Mas Deus, na sua infinita crueldade, resolveu tornar sensível o homem de mármore. Por isso deu-lhe sentimentos que não conhecia e o fez conhecer a mais bela de todas as mulheres que um dia povoaram a Terra. E então, o mármore, e não o Verbo, se fez carne. E por ser carne, sentiu dor, sentiu alegria, sentiu preocupação, sentiu amor e sentiu paixão.
Por isso morreu. Não por ser carne, mas por sentir. E como sentia, sentiu que a mulher que lhe despertou tantas emoções dissolveu-se à sua frente como se fora uma estátua de sal sob a chuva da vida. E ele, não suportando a ideia do viver sozinho com tantos sentimentos a repartir, liquefez-se e vazou a essência de si por todos os poros, escorrendo lentamente em direção ao rio mar, onde misturado  a outras águas, desapareceu para todo o sempre, para nunca mais voltar.