domingo, 1 de novembro de 2009

O PÊNDULO


Pra dizer a verdade, jamais entendi montanhistas. Rapel, muito menos. Aliás, desconfio que não entendo quase nada de tudo o que há. Mas, o que sei que menos entendo é de montanhismo. Aqui pra nós, qual a graça de se fazer um esforço ingente para escalar milhares de metros céu acima, tendo que carregar às costas, pesos que creio, devem pesar não menos de uma tonelada. Como se isso não bastasse, cada metro acima, mais rarefeito o ar e mais baixa a temperatura. Frio lembra a morte. Não existem cadáveres quentes. Exceto os que morreram minutos atrás. A vida, ao contrário, é quente. E é movimento, também. Acredito que enquanto um só astro girar ao redor de si mesm, a vida existirá no universo. Acredito, também, que talvez o apocalipse seja a imobilidade total e absoluta. Significa dizer que um só raio de quantos sóis existam não brilharão; um só pulmão em todas as galáxias não respirarão; pernas não darão um passo sequer; rosas não se abrirão e belas mulheres não seduzirão homens tão frágeis diante de seu poder.
Desse ponto de vista, poderia eu até entender o montanhista. Escalar qualquer coisa significa movimento. O problema é que não existem montanhas horizontais. Toda montanha é vertical. Faz parte do seu destino.
Certa ocasião, quando andava eu perdido no Cáucaso Central, conheci um montanhista. Esse homem era diferente de todos quantos conheci. Era apaixonado por pêndulos. Pêndulos, dirão meus seis leitores? Pêndulos, sim senhor. Principalmente relógios pendulares. Ele próprio, sonhava ser um pêndulo. Pêndulo humano, claro. Por isso, não esquecia de pedir toda santa noite ao Eterno que, dentro do possível, o transformasse num pêndulo. Aquels movimento lateral ou mesmo frontal do vai e vem o encantava. Seria a glória.
Um dia tomou uma decisão. Escalaria a montanha mais alta e mais difícil de quantas existissem. Tomado de furioso entusiasmo, gastou uma pequena fortuna comprando cordas e cordeletes, cadeirinha, mosquetão e malha rápida, polia, estribos, capacete, luvas e peitoral, enfim, toda a parafernália que constitui o equipamento de qualquer bom montanhista que tem como desejo escalar uma difícil montanha. Daquelas com milhares de metros de altura, onde o vento sopra de modo perpétuo, não a brisa de praias calientes, não o vento que provoca tempestades de areia no Saara ou no Zogbi. Não, não é desse vento que falo. Falo do vento polar, do vento mais gelado que a própria morte, do vento cortante, congelante, daqueles que provocam a sensação de que um milhão de agulhas perfuram o corpo do infeliz submetido a tal fenômeno da natureza.
Por isso não entendo montanhistas. Se pelo menos eles chegassem lá, no topo da montanha e fizessem uma declaração de amor à mulher amada; se plantassem ao menos uma árvore... Já pensaram como seria o mundo se todos os cumes de todos os morros, de todas as serras, de todas as montanhas fossem arborizados? Seria uma espécie de Floresta Amazônica mundial, se contrapondo ao azul do céu. Mas não fazem nada, os montanhistas. Passam alguns minutos lá e descem. Simplesmente isso. E qual a grande vantagem? Nenhuma, é a resposta. Não que haja necessidade de se levar vantagem em tudo. Afinal de contas a Lei de Gerson já perdeu a validade de há muito.
O problema com o montanhista que queria ser pêndulo, é que não sabia que subir e fácil. Difícil, mesmo, é descer. Qualquer descuido pode ser fatal.
E não deu outra. Ao tentar sair de uma escarpa onde o vento soprava enfurecidamente, escorregou no gelo eterno. As cordas deslizaram dezenas de metros e o seguraram. O detalhe é que, da distância em que estava da encosta, nem ele e nem ninguém poderia salvá-lo. Finalmente tivera seu desejo realizado: tornara-se um pêndulo. Um pêndulo humano, é verdade mas, mesmo assim um pêndulo.
Dizem que ainda está por lá, coitado. Tão novo, tão pendurado, tão pendular... Nunca mais voltei ao Cáucaso. Tenho montanhas diferentes para escalar. As montanhas da vida com seus vales profundo e abismos mais profundos ainda. A diferença de outros escaladores é que, no meu caso meus equipamentos são outros. Ainda preciso estudar muito e aprender muito mais. Ainda sou um simples analfabeto da vida. Preciso, também sofrer muito mais do que já sofri. Estão pensando que ser alpinista na vida é fácil?Até porque não fui sábio o bastante para aprender pelo amor. Resultado: Tive que aprender pela dor. E o meu caminho ainda é tão, longo, tão árduo, tão alto...
- Moral da história: Muito cuidado com o que você pede a Deus. Ele pode atendê-lo.