segunda-feira, 29 de março de 2010

VIVER NÃO É PRECISO

O rapaz acordou espantado. Olhou em volta e não reconheceu o lugar, muito embora tudo o que o rodeava não lhe parecesse estranho. Tentou levantar. Sentiu dificuldades. O corpo parecia-lhe mais cansado que o usual. Com muito esforço saiu da cama e dirigiu-se, levemente encurvado, em direção ao banheiro. Um banho e tudo ficará melhor, pensou. Foi quando se olhou no espelho e se assustou. Não! Pensou estarrecido, aquilo não podia ser verdade! Devo estar sonhando, disse a si mesmo. Melhor dizendo, devo estar tendo algum pesadelo. Tranquilizou-se com a ideia. Daqui a pouco acordaria e tudo seria apenas uma lembrança ruim, consolou-se. Mas, notou que o sonho - ou pesadelo - parecia-lhe real demais para não ser real. Olhou-se novamente no espelho. Muito embora ele continuasse sendo ele, o aspecto era de um homem velho. Velho e terrivelmente cansado. Cansado de viver, cansado de tantos sonhos perdidos, tantas falsas ilusões, tantas quimeras que ficaram na estrada da sua vida já tão gasta, tão rota, tão inútil. Não lembrava bem se ainda tinha filhos. Mulher, com certeza, não tinha mais. Tinha consciência que mulheres não gostam de homens tão velhos, tão desgastados na luta inútil da sobrevivência.
A clareza do que ocorrera começou a tomar conta de si. Teve vontade de chorar. Seria tão mais fácil não acordar mais. Acreditara durante tanto tempo que o sono é a morte na certeza do acordar, que até desejava o contrário. Quando o grande cansaço se apossa do corpo, da mente e da alma, sabe-se que é tempo de partir. Que bom seria, pensou, se os homens fizessem como os velhos elefantes africanos, que sabem quando a morte está próxima. Deixam o bando e partem sozinhos, em direção ao jamais encontrado cemitério perdido dos elefantes, considerado o Eldorado dos caçadores e negociantes das valiosas presas de marfim dos velhos elefantes.
Mas os homens não têm a dignidade dos velhos elefantes. Por isso tentam viver, até mesmo quando viver não é mais preciso. Tanta coisa é preciso. Viajar é preciso, cantar é preciso, navegar é preciso, voar é preciso, sonhar é preciso. Até mesmo votar é preciso. Mas, viver, às vezes, não é preciso. Os que se apegam à vida, quando viver não é preciso, são os homens que envelheceram inutilmente.
Velho! O que deveria ser uma honra e um prêmio passa a ser uma vergonha, uma carga pesada, uma culpa não merecida, um arrastar de pés sobre sandálias muito gastas, elas também, num certo sentido, culpadas de terem ultrapassado o tempo permitido às sandálias existir.
E um dia, o homem velho que acordou pensando ser novo, ao tomar consciência real de que o tempo passou e não voltará jamais, desaba para dentro de si mesmo, como um buraco negro psicológico, até desabar para o buraco negro da sepultura que, faminta, o chama de boca escancarada, sabendo que a sua fome de velhos homens velhos jamais será saciada.