segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O ELOGIO DA IDIOTICE

Erasmo de Roterdã, segundo ele próprio, desejando divertir-se e não estando em condições favoráveis para compor obra séria, fez o Elogio da Loucura.


No gênero, está em boa companhia. Convém não esquecer que Homero escreveu a Guerra dos Ratos e das Rãs; Virgílio compôs um poema sobre o mosquito. Vivesse na Amazônia e teria feito um poema épico. Tema, com certeza não lhe faltaria. Já imaginaram um poema falando de Anopheles darlingi ou do Aedes Egypti?


Glauco louvou a injustiça. Vivesse no Brasil, e poderia viver cem anos louvando a injustiça e não esgotaria o assunto. Sinésio teceu os maiores elogios aos calvos. Alguns dentre nós, que ainda não podem se dar à prática do implante de vastas cabeleiras, pe-nhorados, agradecem. Luciano, provavelmente pensando nos nossos - às vezes não tão ilustres - parlamentares, louvou as moscas e parasitas.


Como a modéstia nem sempre é uma das minhas características mais fortes, para desgraça dos cronistas e dos que me lêem, resolvi fazer o elogio da idiotice. Talvez me falte competência para tanto. Matéria prima, com certeza, não.


O sempre indispensável mestre Aurélio ensina que idiotice “é a parada do desenvolvimento mental, ligada a lesões cerebrais, geralmente congênitas. Os idiotas não têm atividade voluntária e são inteiramente ineducáveis”.


O idiota já recebeu tratamento específico e pre-ferencial de dois grandes autores. Um, o grande Dostoiewisky, que escreveu “O Idiota”, em 1869. Outro, o cronista do absurdo e do patético, o anjo pornográfico Nelson Rodrigues, para quem o idiota era tema constante e um de seus personagens favoritos.


Conta ele que, antigamente, o idiota era quase uma instituição nacional. Toda cidade tinha o seu. Isso era tão certo como haver a praça da matriz, a agência dos Correios e a Avenida Presidente Vargas. Rua, não serve. Travessa, também não. Viela ou beco, nem pensar. Já imaginaram um beco Presidente Vargas? O “Pai dos Pobres” tremeria no túmulo.


Mas, voltando ao idiota, por sê-lo, um dia resolveu fazer um discurso. Discurso que se preza, tem que ser feito no meio da praça. Deveria haver uma lei obrigando todo mundo a fazer um discurso, pelo menos uma vez na vida. E no meio da praça.


Em compensação, ficaria proibido discurso em festas. De aniversário, principalmente. Sou a favor da pena de morte para quem faz discurso em festas de aniversário. Aliás, a própria festa já deveria ser proibida. Não há sentido em comemorarmos menos um ano de vida.


Pensando nisso, presumindo-se que idiotas pensem, colocou um caixote de sabão no meio da praça e começou a discursar. E à medida que o discurso avançava, a praça ia-se enchendo de curiosos. Ao fim de duas horas de discurso, a praça estava tomada por uma multidão que o aplaudia delirantemente.


Foi quando ele, o idiota, descobriu que era maioria. A partir de então, os homens inteligentes tornaram-se ilhas cercadas de idiotas por todos os lados.


Isso explica muita coisa que acontece Brasil afora e Brasil adentro. Explica também, o fato de escre-ver esta crônica tão idiota, e o leitor, de lê-la.