terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

UM HOMEM CONVICTO

Era um homem de muitas convicções, mas na verdade não tinha nenhuma, pela simples razão de que quem tem muitas convicções, termina por não ter nenhuma.
Nascido em família católica apostólica romana, tinha, naturalmente, cultura católica, muito embora de há muito não mais praticasse os ritos recomendados pela Santa Madre Igreja Universal. Isso, porém, não o impedia de se sentir católico e tinha a convicção de que jamais migraria para outra religião. Tanto que aquele Deus poderoso e cruel de que nos fala o Antigo Testamento o atraía fortemente. É destino dos homens, sentirem-se atraídos para a órbita dos poderosos. Por outro lado, o homem mais doce que o mais puro mel de abelha sequer podia comparar-se-lhe, a quem chamavam Jesus (Ieshua, na sua língua natal, o aramaico), também o atraía muito fortemente. Afinal de contas, raros são os que fazem a opção preferencial pelos órfãos, pelos fracos, pelos desvalidos, pelos doentes, pelos deserdados da sorte de toda ordem. E fora exatamente o que fizera aquele homem divino que nos ensinou tudo, e do qual não aprendemos nada.
E assim foi por longos anos, até que a dor máxima que a vida quando quer, sabe inflingir aos pobres humanos que vagueiam suas tristes vidas pelo mundo dos homens o atingiu – a morte da mulher amada, a sua outra metade, a sua razão de viver, o seu elo perdido. E chorou lágrimas de sangue. Desiludido de tudo e de todos, não perdou nada e nem ninguém. Numa espécie de loucura, não perdoou sequer o Todo Poderoso. Foi por isso que se tornou ateu. Não um ateu à toa, não um ateu de araque, não um ateu daqueles que dizem quando conseguem o que desejam muito: “Graças a Deus. Não, ele não. Tornou-se ateu total, ateu convicto. Afinal de contas era um homem de muitas convicções.
Mas, como também é próprio desses estranhos animais que são os homens feitos à base” de carbono, continuou procurando respostas para as grandes interrogações que os caminhos da vida se lhes apresentava, e não as encontrando procurou refúgio no agnosticismo¹. E então tornou-se convictamente agnóstico, naturalmente.
E como a roda do tempo não cessa nunca o seu girar, descobriu que não era extamente o que pensava ser: agnóstico, E foi por isso que procurou, mais uma vez, um novo caminho. E decidiu que seria espírita. Afinal de contas, partindo-se do pressuposto de que os espíritos existam, realmente, Alan Kardec, ou Denizard Leon Rivail Hippolité, seu nome de batismo, responderia a todas as dúvidas que o atormentavam. E mergulhou de cabeça no espiritismo, tornando-se espírita convicto, evidentemente.
E isso durou até o dia em que um diabinho qualquer - para quem acredita em diabinhos – soprou-lhe a maldita dúvida sobrea existência dos espíritos. E seu mundo espiritual ruiu mais uma vez.
E assim os anos passaram. Um dia, olhando-se ao espelho, não se reconheceu. Não mais estava à sua frente, o jovem viril, belo e musculoso que fora um dia. Estava velho, totalmente velho. E ao tomar consciência da sua senectude, pensou em recomeçar sua procura do verdadeiro Deus, antes que fosse tarde demais. Foi quando, por acaso – e a vida é tão cheia de acasos que até parece que não o são – que percebeu, ao ler pela milésima vez a Vulgata, de Jerônimo, que pouco ou nada sabia dos nomes hebreus tão citados em qualquer Bíblia, desde a Septuaginta até a Êxapla, passando pela Ciríaca, a Latina Antiga, a do rei James (de James I, da Inglaterra) e outras, inclusive, naturalmente, a Vulgata (de versio vulgata). E então entendeu que precisava aprender a língua dos judeus ou hebreus. E estudando hebraico, descobriu que Jesus era Ieshua, na sua língua natal, o aramaico; Maria, sua mãe, Miriã; Moisés era (Moshe, Mochê), Rafael, Deus cura e Israel (forte como Deus), nome posterior de Jacob. E foi também que tomou conhecimento que o nome do Deus de Abraão (pai de multidões) era Elohim, mas que também atendia pelos nomes de Javeh, Jeovah, Adonai e muitos outros. Também aprendeu que o verdadeiro nome de Deus era tão sagrado que não podia ser pronunciado. Daí a a representação do nome do que tudo vê ser YHWH, o Impronunciável.
Após essas descobertas, como que enloqueceu e se dedicou apenas ao estudo dessa língua fascinante. E mergulhado em profundas e bíblicas elocubrações mentais sentiu, surgida do mais profundo do seu ser uma enorme dor. Percebeu num átimo, que chegara o momento de dizer adeus à vida neste planeta de tantas amarguras e, surpreendemente, não teve medo. Antes, um enorme alívio. E por que se tornara um judeu convicto gritou: “Adonai, recebe em teus braços o meu espírito”, e tombou. Ao chegar ao chão a vida já o abandonara para sempre. Mas Adonai, o Misericordioso, ao ouvir aquele pedido, percebeu que aquele homem tão atormentado merecia seu perdão. E esboçando um leve sorriso de satisfação, abriu os braços para receber aquele homem tão necessitado de paz. E o espírito do homem convicto adormeceu ao lado do Senhor, absolutamente convicto que nunca mais derramaria uma lágrima sequer, per omnia secula seculorum, pois estava escrito nas estrelas que aquele que nascer de novo, jamais morrerá. Shalom!

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