terça-feira, 31 de agosto de 2010

COM A DIGNIDADE DE UM CACHORRO

O grande amor não existe. Acontece. E quando acontece, é para ser vivido. Não precisa ser analisado, pensado ou casado. Principalmente casado.
O grande amor, para ser grande não pode dar certo. Se der certo, é porque não era tão grande assim. Deve sim, ser sentido ao som do Oratório de Handel. Hallelujah. Jamais ao som da marcha nupcial, de Wagner. O casamento é o túmulo do amor. Esposas, as legítimas, as de antigamente, de papel passado e pilares da moral local, não existem para serem amadas apaixonadamente. São virtuosas demais. É impossí-vel perder-se de amor por uma mulher virtuosa. Daquelas que vão diariamente à missa das sete.
O prazer da vida está no pecado. A virtude não tem a menor graça. Amém, dizem as vozes do último círculo do Inferno. Que seria do amor de Romeu se casasse com Julieta? Tristão e Isolda, Dante e Biza, Abelardo e Heloísa. Que seria da lenda? Nada, absolutamente nada. A paixão teria, provavelmente, terminado num tanque cheios de fraldas para lavar. Tanques de lavar roupa e paixão não têm nada a ver. Paixão, a de verdade, é para ser sentida e vista através de vapores alcoólicos.
O bom amante, o apaixonado alucinado por sua paixão, o que se consome na ausência do corpo desejado, bebe na esquina da casa da mulher amada, idolatrada, salve, salve. Para vê-la sair com um e voltar como outro na fria madrugada, gelada como um coração ciumento.
Nessas ocasiões, sente-se morrer. Garçon, traz mais uma, grita desesperado, consumido pelo ciúme atroz. Bebe até cair na vala. Boteco ou bodega que se preze tem uma vala na frente. Menos pela incompetência do alcáide, e mais para que amantes frustrados, desesperados, consumidos de dor, possam cair na vala comum do desespero e do desejo amoroso.
Mas a felicidade existe. E felicidade, é ouvir o próprio nome, pronunciado docemente pela traidora do seu amor, dos seus sonhos, ilusões e desilusões. E então se levanta. Tenta desamarrotar a própria roupa. E vai ao encontro dela, com a dignidade de um cachorro feliz, balançando o rabo.

Um comentário:

  1. Olha só, primeiro queria dizer que faz pouco tempo que bisbilhoto o teu blog e seria no mínimo enfadonho e redundante o elogio.

    Acontece que, esse teu texto aí está indelevelmente fumegante.
    Um porre dos mais apoteóticos, no bom sentido.

    Tudo bem rústico, humilhante....e dramático, como não poderia deixar de ser

    Só faltou o,"Perdoa-me por me traíres", mas isso não!
    Que nem amor, nunca o bastante, sempre resvala na possibilidade, creio.

    Fica pra próxima!
    Abraços!

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