quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O FRACASSADO


Esta é a história da vida conjugal, profissional e amorosa de um homem velho e triste. Nada mais e além que isso. Não que seja uma história que valha a pena ser contada. É apenas uma vírgula no grande livro da tragédia humana. Mas, como tudo é possível, também é possível que um descuidado e eventual leitor possa tirar dessa vida inútil, algo de bom para si mesmo. Pelo menos mostrará caminhos que não devem ser seguidos jamais.
O relato que faremos a partir de agora, é o relato de uma sucessão de erros, projetos não realizados ou inconclusos e fracassos. Muitos fracassos. O maior deles, evidentemente, foi o casamento, essa instituição pavorosa que todos querem e ninguém suporta. O problema do nosso personagem, é que durante quase toda sua vida, acreditou ser um homem de sucesso, um vencedor de batalhas terríveis, elas também, intermináveis. Sua aparência sempre foi a de um homem arrogante, lutador, implacável com os erros alheios e com os seus próprios. Vindo das profundezas do nada absoluto, a princípio, não tinha a menor idéia do que estava fazendo neste Vale da Sombra da Morte. Pra dizer a verdade, ainda hoje, tantas décadas depois, ainda não tem exata noção do que ainda está fazendo por aqui. Às vezes, sob o céu estrelado de sua terra natal, olha aquelas pequeninas e brilhantes luzes, aponta o dedo para uma delas, situada a 90º do horizonte e murmura: “Minha casa! Minha casa!” E nesses momentos, seu rosto mostra uma dor, um sentimento de saudade tão grande, que confrangeria até mesmo o coração de um frade de pedra. E, nessas horas da sua solidão mais absoluta, sente-se apenas um homem perdido longe de sua casa, de seu lar, daqueles que verdadeiramente o amam, daqueles que falam a sua língua, que não é a língua desses animais terríveis que são os homens, essa espécie de seres inferiores feitos à base de carbono.
Esse estrangeiro triste, hoje é um homem que vive a chorar, porque aqui, descobriu que não é absolutamente nada. Não tem família, não tem emprego, não tem renda própria, não tem amigos não tem sequer, o respeito que em tese lhe seria devido pela mulher que escolheu para ser sua companheira. Às vezes, como agora, ficava pensando nos erros que cometera ao longo de uma vida de fracassos. Como pudera ser tão imbecil a ponto de casar? , perguntava a si mesmo, sem obter resposta. E por qual misteriosa razão, aquela megera o salvara da morte tantas vezes?, indagava-se. E a resposta era sempre um tumular silêncio. Não era possível que aquela fosse a mulher com se casara há tanto tempo. Aquela pessoa de aspecto enrugado não era a linda mocinha por quem se apaixonara. Não, definitivamente aquela não era a sua mulher. Como poderia sê-lo, se não o respeitava, se não falava a sua língua, não o fazia fremir de desejo? Desejo. Essa era a grande questão. Não mais sabia o que era isso. Já o sentira, é verdade. Por ela e por outras. Particularmente uma que o fazia delirar somente ao pensar nela e seu corpo escultural, sua cor morena, seus dentes de uma brancura de marfim, seu olhar maroto e brejeiro, sua espantosa sensualidade e sexualidade, seu olhar de fêmea cheirosa e gostosa que há muito deixara de ver, sentir, cheirar, degustar e amar alucinadamente como sói acontecer a homens velhos, carentes e tolos demais. Ah!, suspirou. E sentiu saudades de um tempo que sabia, não voltaria nunca mais, porque morrera como morre tudo aquilo que vive.
Foi por isso que descobriu ter inveja de Ghandi, o Mahatma. Conta-se que sua mulher, presa por ordem do governador militar inglês, ao tempo em que a Índia era apenas uma possessão britânica, ao ser inquirida por um repórter como enfrentara a indignidade de ter sido recolhida à prisão onde estava seu marido, respondeu firme e altiva: - “Minha dignidade está em acompanhar meu marido onde ele estiver.”
Outra que disse tudo o que os homens gostariam de ouvir da própria mulher, foi Judy Garland, grande atriz norte-americana da década de 50 do século passado. Em artigo publicado no Reader’s Digest sobre como um homem deve se comportar diante de sua mulher, aconselhou: - “Não abra mão de sua autoridade. Eis o principal fator. Não passe as rédeas à mulher. Acharíamos esse gesto uma verdadeira abdicação. Ficaríamos confusas e alarmadas, faríamos com que nos retraíssemos. Isso, mais depressa do que qualquer outra coisa, obscureceria a clara visão que nos conduziu ao nosso amor por você. É verdade que tentaremos forçá-lo a renunciar a ser o Número Um dentro de casa. Esta é a terrível contradição feminina, pois a verdade é que não nascemos para dominar. É puro fingimento.”
Lembrou que, muito anos antes, durante mais uma das milhares de brigas que tiveram ele e sua mulher ao longo de décadas, disse ele a ela: - “A grande vantagem das amantes, é que elas mentem descaradamente para seus homens. Eles adoram quando elas lhes dizem mentiras do tipo: “Você é o maior e o melhor”. É claro que não somos, mas todos gostamos de ouvir tolices como essa. E ela, sem a menor noção do que estava dizendo pelo mal que suas palavras provocariam retrucou: “Como é que eu posso dizer que você é o maior e o melhor, se você não é?” Um chute nos testículos doeria bem menos.
Consolava-o, o fato de que um dia isso teria fim. E quando isso ocorrer, quem sabe não possa ele retornar para o seu povo primevo, aquele que está muito além das estrelas e mais além, ainda, das Brumas de Avalon? Quem sabe? Quem de saber há?
Enquanto esse dia não chega, continua a perambular pela negra noite da sua vida sem razão de ser. É quando pensa no homem líquido que se tornara plumbum para poder caminhar na aridez que era o mundo da sua musa de ébano. Ela, por ter densidade atômica diferente o repeliu para o mar da amargura onde sempre vivera, e ele, esquecendo que não mais era líquido, afundou para as fossas abissais do fundo do mar sagrado, de onde nunca mais sairá.
E nessas horas, eu que sou apenas um escrivinhador de feias e tristes histórias, penso em quão triste pode ser o destino dos homens, particularmente daqueles que são odiados pelo Senhor de tudo o que há. E pensar que esse mesmo Deus foi quem criou a espantosa beleza dos fractais ...

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