segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O sorriso de Deus


Estava cansado. Vinha caminhando há muito, muito tempo. Caminhava como se nada mais houvesse na vida senão caminhar. Transformara-se no seu objetivo primeiro e único. Caminhava sempre pra frente vindo de não sei onde. Não sei para onde ia também. O andar, naturalmente, já não mais apresentava o vigor de outrora. Andava o andar trôpego dos velhos infelizes. Nada existe de pior ou mais desgraçado que a infelicidade. Cega-nos o olhar para os caminhos da luz. Retira-nos o olfato para o cheiro da flor e da mulher amada. Mulher também é uma questão de olfato. A sensibilidade também embota. Torna-se parcial. Só sente tristeza e uma vontade imensa de chorar todas as lágrimas do universo. É a autocomiseração, é a autopiedade, dizem alguns. Dizem, porque não sabem o que é caminhar séculos, como o judeu errante, à procura do rosto que irradiará a paz que tanto precisam os homens que caminham por lugares nunca dantes caminhados.
Mas ele, o caminhante, perdera-se. Não tinha mais referenciais. Nem sabia por que caminhava. Talvez achasse que tivesse nascido só para isso: caminhar.E nesse andar, nessa procura inconsciente de algo que nem ele mesmo sabia o que era, finalmente a encontrou. Era a sua outra metade, sem a qual a vida não fazia sentido, a metade cuja ausência fazia dele apenas meio homem, meio ser.
E pela primeira vez na vida sorriu. Um sorriso de paz, um sorriso de tranquilidade. Descobriu então porque caminhava tanto. Para a encontrar. E ao vê-la, reconheceu-a de imediato, porque ela sorriu para ele. E naquele sorriso, estava o que a humanidade procura desde os albores do tempo, mas poucos, muito poucos conseguem encontrar: o sorriso de Deus.


Uma eleição inusitada


A Fundação Rio-Zoo e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), do Rio de Janeiro, promoveram há alguns anos, uma eleição muito séria. Dois candidatos disputavam a vaga deixada pelo macaco Tião, falecido em dezembro de 97. Eram eles os chimpanzés Pipo e Paulinho. Fiquei surpreso, muito embora não saiba a razão. A esta altura do campeonato da minha vida, nada mais deveria surpreender-me. Mas ainda me surpreendo com o que jamais deveria surpreender-me.
O TRE fluminense fez tudo como manda o figurino da boa eleição. As urnas eletrônicas foram as mesmas usadas nas eleições municipais de 1996. Com direito a fotografia dos candidatos, voto em branco e nulo. Até mesmo a boca-de-urna foi permitida, ao contrário das eleições oficiais, quando é proibida, mas mesmo assim, feita às escâncaras.
O Brasil é realmente um país estranho. O Rio de Janeiro, cidade que produziu um Betinho, foi a mesma que mobilizou o TRE, que gastou na inutilidade, um punhado do dinheiro público para escolher, através do voto, qual macaco vivo substituiria o macaco morto. E ainda dizem que o Rio é a cidade mais politizada do país. Tenho lá minhas dúvidas. Uma cidade que elegeu um Juruna e seu indefectível gravador; elegeu duas vezes um Leonel Brizola com um Moreira Franco no meio, pode ser tudo, menos politizada. O prefeito factóide César Maia, que o diga.
Mas, não deveria mesmo tal eleição causar espanto. Já na década de 50, os sisudos paulistas elegeram o hipopótamo Cacareco, para a Câmara Municipal Paulista. Uma pena que não o deixaram tomar posse, o que não deixa de ser uma atitude politicamente incorreta. A decisão do povo deve ser respeitada até as últimas consequências.
O jogo que domina o país, particularmente o Rio, é o jogo do bicho. Naturalíssimo que assim seja. Afinal de contas, a ex-Cidade-Maravilhosa produz mais veados, peruas e piranhas por metro quadrado, que a Amazônia inteira. Isto, sem contar os burros da administração pública, as raposas da política, os tubarões do empresariado, as cavalgaduras da polícia militar, os bichos-demônios do banditismo desenfreado e as vacas de presépio da população a bom concordarem, bovinamente, é claro, com a vontade dos poderosos.
No início desta despretenciosa crônica, falava da minha surpresa com o TRE fluminense. Sou um tolo. Esqueci que a classe média brasileira só tem um neurônio. E ainda assim, que anda de muletas. Só isso, explicaria tal atitude, além de outras, como gastar-se uma fortuna em dólares, com a importação de batatas-fritas e papel higiênico perfumado.
Lamento informá-los, senhoras e senhores, brasileiras e brasileiros, minha gente, ou seja lá que diabo de tratamento prefiram, mas a solução é água e sabão. E muita.

Quando a Justiça bebe


Havia outrora, provavelmente muito além das brumas de Avalon, um país que atendia pelo pitoresco nome de Mamolândia. Era um país abençoado pelos deuses e bonito por natureza, conforme cantavam os menestréis e trovadores da época.
Seus vales verdejantes, suas florestas riquíssima, suas montanhas fartas de minérios, seus rios piscosos e seu povo pacífico, mostravam bem do agrado e de quanto os deuses olhavam com bons olhos essa terra onde o leite e o mel jorravam com abundância.
Mamolândia tinha dois ícones sagrados: um, a Justiça, que era representada por u’a mulher negra, com os olhos abertos e as mãos estendidas. Uma distribuía a justiça tão necessária na terra dos homens. A outra distribuía bênçãos ao seu povo querido.
O outro ícone adorado pelos felizes habitantes de Mamolândia, era a Grande Vaca Sagrada. Possuía saúde de vaca holandesa premiada em exposição. Tetas opulentas esguichavam leite tipo “A”, distribuído a cântaros aos “mamolandenses”. A Grande Vaca Sagrada, que dera origem ao interessante nome daquele país distante, tal qual a loba que alimentara Rômulo e Remo, alimentava seu povo com o leite sagrado, fazendo-o forte, varonil e justo.
Eis porém que um dia, a serpente - sempre ela -, cheia de inveja, travestida de Baco, visitou a Justiça. E tanto falou das virtudes do vinho, que esta, seduzida, bebeu. E em bebendo, embriagou-se. Embriagou-se de álcool, de arrogância, de vaidade, de empáfia, de poder por e dispor ao seu bel prazer.
E em mudando a Justiça, mudou também a Grande Vaca Sagrada, que passou a selecionar os que podiam ou não mamar-lhe as generosas tetas.
A consequência, previsível, foi que os fracos, foram ficando cada vez mais fracos e os fortes cada vez mais fortes.
Foram criadas então, as duas grandes castas que ainda subsistem naquela hoje indigente terra: os grandes mamadores e os outros. Estes atendem pelo nome de povo, que, como vingança, a última que lhe restava, passou a chamar o outrora ícone sagrado, pelo depreciativo nome de governo.
A Justiça ainda existe, também. Só que mudou de cor - tornou-se branca. Possivelmente de vergonha. Pobre Mamolândia, a que era feliz e não sabia.
Soube-se muito tempo depois da tragédia consumada que a serpente era também conhecida no seu mais íntimo círculo de amigos, pelo curioso nome de Política.
Estas são as trágicas consequências que ocorrem quando a Justiça bebe. Menos mal que Ahmadenejad é abstêmio, ou seja, não pode apontar o álcool como culpado por seus desatinos. Um certo genro do Tarso, ao que parece, sim.

O PANETONE


Midas, rei semi-lendário da antiga Frígia, era conhecido pela extrema riqueza. A ele atribui-se a lenda de que qualquer coisa que tocasse, viraria ouro, instantaneamente, tendo sido esta a sua perdição, pois não podia tocar nem alimentos e nem seres queridos.
Certos políticos têm, tal qual Midas, o poder, não de transformar o que tocam em ouro, mas sim a triste capacidade de conspurcar, poluir, corromper o que tocam.
Francisco de Assis, após ter tido uma visão de Cristo, converteu-se e passou a viver como eremita, em constante oração. Suas composições mais famosas são “O Cântico do Irmão Sol” e a belíssima peça conhecida como “A oração de São Francisco”. Nesta, um de seus trechos diz: “... pois é dando que se recebe”.
Foi o bastante. O ex-deputado Roberto Cardoso Alves, passou a usar a expressão para mostrar a ligação incestuosa que há gerações une o governo e maus empresários ou políticos dessa estirpe. Entrou para o dicionário das nossas frases infelizes. Aviltou, emporcalhou, sujou o que era uma bela passagem de uma das mais belas orações que se conhece.
Em nome da continuidade de seu projeto político e da vontade de garantir a própria reeleição a um terceiro mandato e de aprovar o que bem quer como bem deseja, o governo federal ressuscitou essa prática, se é que ela algum dia morreu, de verdade.
Mas não só ele. Se, nos tempos recentes a coisa vem desde o famoso escândalo do “Mensalão”, passando pelo “Mensalinho” do ex-governador de Minas Gerais Azeredo da Silveira até o atual governador de Brasília, José Roberto Arruda (DEM-DF), sem contar outros escândalos menos votados, como o dos Correios, o do “Dinheiro na Cueca”. Temos, agora, o escândalo do Panetone.
Como se sabe, o nome desse pão que se consome o ano inteiro, mas cujas vendas batem recordes em épocas natalinas, vem, segundo consta, do fato de que ainda na Idade Média, mm certo padeiro italiano de nome Antonio, conhecido apenas como Toni, inventou o bendito Panetone. E esse nome decorre do fato de que os italianos, ao descobrirem o novo produto, o chamaram de “Panis de Toni”, ou seja, pão do Toni. Com o passar do tempo, a expressão foi se modificando até se tornar o simples Panetone dos dias de hoje. E a cara de pau de alguns políticos é tão grande, que Arruda deu a singela desculpa ao ser filmado com a mão na massa, digo, do dinheiro ilícito, que aquela fortuna era destinada a comprar panetones e mais panetones, para distribuí-los aos pobres habitantes da periferia das cidades das Minas Gerais, quase tudo, muito provavelmente, na bela Belô.
Que alguém tenha o direito de ser cínico, tudo bem. Mas que leve esse cinismo ao extremo, é brincar com a cara do povo, é zombar de todos, como se ele, o povo, não tivesse um neurônio sequer. Se a Justiça existe, de verdade, que ele e seus companheiros de assalto tenham a mais severa punição. Menos que isso, é zombar, também, daqueles que pagam regularmente seus impostos.
Pelo andar da carruagem, tudo indica que ao invés de morrer, a prática do “é dando que se recebe” esteve apenas em curto período de hibernação após o período Collor. Não estava morta. Quando muito, estava em estado cataléptico para, tal qual uma Fênix maléfica, ressurgir das cinzas, aguardando a hora precisa de atacar novamente.
Gordas fatias dos partidos políticos, deixam de lado o pudor que nunca tiveram e negociam no sentido mais sujo que a palavra negociar pode ter, e se lançam, tal qual abutres, sobre cargos e verbas, para o exercício da política menor. Na prática, o que se vê é que empresários dão dinheiro e os políticos, ao receberem o voto, recebem, também as benesses do poder. É a osmose do imoral com o desonesto.
É verdade que é dando que se recebe. Mas é dando trabalho, justiça, exemplos de dignidade e competência profissional e vidas dedicadas ao bem comum. Receber votos é – ou deveria ser - mera consequência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário