terça-feira, 23 de março de 2010

O TARADO

Que não se pense que o tarado o era de cunho sexual ou pornô. Longe disso. Pra sermos justos, o tarado era um homem sério e extremamente temente a Deus, louvado seja o Seu Santo Nome. Também não se diga que era ergomaníaco ou tarado pelo trabalho. Não, nada disso. Nesse aspecto era um homem comum. Trabalhava por necessidade. Apenas o suficiente para sobreviver. Pra dizer a verdade, acreditava piamente que o trabalho era uma maldição di-vina, haja vista que após o pecado de Adão, o Senhor Deus o expulsara do Éden primeiro e o condenara a ganhar o pão dele de cada dia com o suor do próprio rosto. Aliás, não gostava da expressão “fulano comeu o pão que o diabo amassou”, quando usada para mostrar o quanto alguém sofreu, independentemente da razão do sofrimento. Assim era o tarado. Mas, por que o apelido “Tarado”? Na verdade, crente até a última gota de sangue, na certeza de que a religião pode ter o condão de levar ao Reino dos Céus quem quer que seja que acredite pia e totalmente no Senhor de tudo o que há, era o que as más línguas chamavam de “tarado da fé”. Aqui pra nós, fé era com ele mesmo. Diziam os mais maldosos que o próprio papa era aprendiz no quesito fé, diante do nosso amável e bom tarado da fé.
De certo, o que se sabe, é que o tarado da fé um dia, sem mais e nem porquê, morreu. Morreu de repente. Sem aviso prévio. Morreu de morte morrida, como diz o nosso caboclo. Morreu sem razão aparente, coitado, diziam as beatas locais.
Não se sabe como e nem de onde surgiu, o certo é que a partir de um dado momento, espalhou-se o comentário de que o tarado da fé não fora recebido no Reino dos Céus. Na verdade, teria o pobre coitado ido parar no nono círculo do inferno. E a razão era muito simples, diziam os não crentes, que pensam ter lugar garantido junto a Adonai, porque alegam que não se pode construir a fé sob as ruínas da razão, como diria Baruch de Espinosa que, como o tarado da fé, era apenas um homem simplório, achavam os doutos senhores que por isso o nosso personagem estaria sendo estraçalhado por Cérbero, o cão do inferno.
Na verdade, selenitas encantados contaram-me em sonho sonhado antes de tudo, que o nosso querido crente estava nos braços de Adonai, sim. E isso pela simples razão de que foi Ieshua quem disse: “Do Reino dos céus são os simples de coração”. E o nosso tarado da fé era exatamente isso: um simples de coração. Quem nos dera sermos todos assim. O mundo seria muito melhor do que é. Como acreditava aquele homem diferente, que só o era, por ser exatamente isso: um simples de coração.

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