terça-feira, 23 de março de 2010

DIÁLOGO FINAL

Dormindo, o homem encontrou Deus. Não aquele Deus velho, barbas brancas e pele enrugada pelo decorrer de tantos milênios. Era uma espécie de Deus-Luz. E a Luz falava. E em falando, quando perguntado quem era, respondeu:
- Eu sou o início, o meio e o fim. Eu sou o tudo e o nada também. Sou homem e sou mu-lher, criador do Céu, da Terra e de tudo o que há em um e outro. Sou o animal das águas oceânicas, das águas dos rios e dos mares. Habito os igarapés, os riachos e os igarapés-mirins. Estou na superfície das águas e nas profundezas abissais dos grandes oceanos. Me faço presente até mesmo nas águas que andam por debaixo da terra, e também nas águas que andam por debaixo das águas. Mas, sou muito mais e maior que isso. Estou na forma animal que voa nos céus, ou que anda e rasteja na terra.
E a Luz continuou a falar. Eu sou a luz, mas sou a escuridão também. Sou o anão e o gigante, sou a doença e a cura. Sou a vida e a morte, sou o Sol e a Lua, assim como sou todas as estrelas que brilham no cosmos. Estou em todos os lugares, e sei o passado, o presente e o futuro. Eu te criei, como criei tudo o que há e o que ainda há de existir.
Eu sou o amor e o ódio, o amigo e o inimigo, o alto e o baixo, o bom e o mau. Eu sou Anjo de luz e sou Belzebu, também. Eu sou o Paraíso, o Purgatório e o Inferno. Sou digital e analógico, sou Física e Química. Sou Matemática e Biologia, sou exato e humano. Sou bicho, sou fera e anjo de bondade. Sou Ghandi, Jesus, Moisés, Maomé e Madre Teresa de Calcutá. Sou milionário e mendigo, sou juiz, guarda e prisioneiro. Enfim, sou tudo o que há e ainda o que há de ser.
E a Luz falou, falou e disse tudo o que ne-nhum ouvido humano jamais ouviu. Finalmente, cansado da auto definição calou.
E o homem dormindo, perguntou:
- Se és tão poderoso, se sabes tanto, porque fazes de nós seres tão infelizes?
E a Luz, fria por sua própria natureza, respondeu:
- Eu te dei inteligência para tornares a tua vida melhor. Se assim não ocorreu, que culpa me cabe?
O homem refletiu longamente e, ainda dormindo, respondeu em tom acusatório:
- É verdade, mas esqueces que me deste sentimentos, também. E mais que isso, nos deste a mulher para que fosse ela o repositório de todo o nosso amor. Mas não deste a ela, sentimento receptivo igual ao nosso. Por isso sofremos, porque elas falam a língua bifurcada da serpente. E foi tu que as fizeste assim.
E a Luz, pela primeira vez desde o início dos tempos, não soube o que responder. Por isso, recolheu-se para dentro de si, e a escuridão rodeou o homem, que pode enfim, dormir em paz para todo o sempre.

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