sexta-feira, 25 de junho de 2010

UM DIA DE VIDA

Que fazer se nos resta apenas um dia de vida? Vinte e quatro horas. Nenhum minuto ou segundo a mais. Um dia inteiro, com nascer e pôr do Sol incluídos. Anoitecer e amanhecer. Um ciclo completo. Que fazer? Sentar na beira da cama e chorar? Lamentar o tempo desperdiçado? Amaldiçoar a vingança não executada ou o bem não praticado? Lamentar a vida não vivida, os amores perdidos, a mulher não amada, o amor não correspondido, a cerveja não bebida, a vida vivida, ferida ou parida?
Luz e sangue. A opressão no peito, a procura pelo ar que não mais existe. Um hausto de ar, mais um, mais luz, Goethe. Os valores não valem mais nada. Moral, ética, dólar, cotação da bolsa, estética. A morte é a falta de estética da vida.
Lutei tanto, sofri tanto, amei tanto, e não senti no entanto, o tanto de prazer que me daria um dia. Um dia a mais. Só unzinho. Por todos os deuses, eu mereço. Mas, o que há? Perdi o dom da fala ou os deuses ficaram surdos? Ou terão sido sempre surdos? Angústia hamletiana, que só faria sentido se houvesse resposta. Mas não há respostas. Só perguntas. O tempo passou e com ele a vida. E eu não percebi.
É essa a tragédia. Todos nós temos o nosso último dia de vida. E tal qual a vida toda, não temos a mínima ideia do que fazer com ele.



PEQUENOS TEXTOS SURREALISTAS

O GOL
 
O silêncio no campo era total. Não se ouvia o zumbir de um inseto. O juiz marcara penâlti. O jogo era decisivo, e a torcida quase agonizava de tanta tensão. O apito soa. O chute é disparado e o corpo do jogador descreve um suave arco, enquanto entra, fazendo com que milhares gritem seu grito orgásmico. É gol. No campo, as bolas comemoram, enquanto das arquibancadas, cabeças rolam, e invadem o campo, para a confraternização na vitória da bola sobre o homem.  

UMA CRUZ TRISTE DEMAIS
 
Lá estava o corpo estendido no chão. Ao lado, carpinteiros rústicos, trabalhavam uma cruz, ela, rústica também. Depois, conscienciosamente, pregaram o corpo na cruz e a ergueram.
Ao fundo, nuvens plúmbeas e negras, colidiam indignadas, cheias da cólera divina, provocando comoção cósmica.
Enquanto isso, a cruz de madeira, entristecida, derramava lágrimas de sangue, enquanto maldizia o lenhador que a abatera, para submetê-la a tão triste e indigno destino.

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